O cubano Leonardo Padura, um dos mais lúcidos e completos escritores atuais, resgata, em Hereges, a história do St. Louis, que, ao não conseguir desembarcar a grande maioria dos judeus em Cuba – apenas 28 conseguem descer na ilha –, teve de voltar à Europa, depois de também ser recusado nos portos dos Estados Unidos e do Canadá. Todos sabiam – de judeus embarcados a funcionários corruptos cubanos – que o retorno seria para encontrar a morte nos campos de concentração.
Se acertou no tema de imediato, Padura, entretanto, correu sério risco ao trazer para um livro com a densidade de Hereges o velho personagem de Mario Conde, o policial de seus romances anteriores – Um passado perfeito e Paisagem de outono.
Textos policiais seguem amarração repetida. Se for para simplificar, pode-se dizer que alguém sempre estará envolto num mistério a ser resolvido. A grande sacada do autor é enredar o público até o final da história, oferecendo, cuidadosamente, pistas para, no desenlace, surpreender o coitado do leitor. Quanto mais intrincado o texto, mais prenderá a audiência. Com os crimes vêm sexo, álcool e muita testosterona. É compreensível que se torça o nariz para tais enredos. Mas autores como Dennis Lehane, James Ellroy, Raymond Chandler e o brasileiro Rubem Fonseca estão aí para mostrar o quanto há de vida inteligente na literatura policial. O próprio Padura é um dos melhores exemplos atuais disso.
De forma geral, escritores e leitores de policiais precisam de certa segurança literária para se impor. No caso de Padura, quem o conheceu a partir de O homem que amava os cachorros pode estranhar o ensolarado e por vezes angustiado Mario Conde. Na nota do autor, Padura é mais do que claro: “A história, a realidade e o romance funcionam com motores diferentes”.
Se Padura acertou na escolha do tema, acertou também ao tirar Mario Conde da aposentadoria, que parecia certa depois da publicação de O homem que amava os cachorros. Evocar um ex-policial para ajudar a contar a história de um curto, mas marcante, período cubano foi como sair sob o sol para tratar de temas pesados. Por mais tensos que sejam, sempre teremos a luz de Cuba e um bom trago para tomar no fim do dia. E sempre poderemos levar embaixo do braço um policial do Padura.
HEREGES
• De Leonardo Padura
• Boitempo
• 506 páginas .