Em livro, Rui Mourão entrelaça história da antiga Vila Rica com dramas existenciais contemporâneos

Depois de 'Quando os demônios descem o morro' (2008) escritor se volta novamente para a antiga Vila Rica em 'Mergulho na região do espanto'

por Walter Sebastião 13/11/2015 12:30
Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
"Era muito formalista e intelectualista, hoje busco a expressão autêntica, forte e espontânea da realidade ouro-pretana", Rui Mourão, escritor e diretor do Museu da Inconfidência (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
A boa recepção dos leitores ao romance Boca de chafariz (1991), cuja sexta edição está prevista para breve, levou Rui Mourão a acatar a sugestão de escrever mais sobre Ouro Preto. “Resisti. Não queria diluir o que havia realizado”, admite. Com o tempo, ele foi descobrindo outras perspectivas para abordar a cidade. Surgiu, então, Quando os demônios descem o morro (2008). Sete anos depois, em Mergulho na região do espanto, Mourão se volta novamente para a antiga Vila Rica.

O protagonista do novo romance é um escritor que retorna a Belo Horizonte depois de morar em Ouro Preto. “Visceralmente identificado com a antiga Vila Rica”, revela Mourão, o personagem continua estudando os problemas da cidade e até recebe a visita dos inconfidentes Tiradentes, Cláudio Manoel da Costa, José Álvares Maciel e o cônego Luiz Vieira da Silva. Às voltas com a meditação sobre os motivos da valorização simbólica do ouro, ele mergulha numa viagem de autoconhecimento. Nessa narrativa, aspectos ensaísticos e históricos dialogam com a ficção e o realismo mágico para abordar os primórdios de Ouro Preto e a Inconfidência Mineira.

Mergulho na região do espanto é a história de um homem frustrado em busca de sentido para a vida”, explica Rui Mourão. Ao longo dos capítulos, a trama vai se transformando. “Não é simples a descrição da história de Ouro Preto, não sou retratista”, avisa ele, antecipando que a narrativa, construída em vários planos, tem entre seus temas essenciais o drama íntimo de um indivíduo.

“Meu interesse é pelo ser humano no mundo”, afirma Mourão. Vem daí o emprego de relatos na primeira pessoa como recurso de linguagem. “Monólogos trazem mais possibilidades de conhecer profundamente os personagens, como eles são e pensam”, observa.

Se nos dois romances anteriores Mourão optou por ir além do naturalismo, pela primeira vez ele abre espaço, “de forma mais intensa”, para o realismo mágico. “Essa dimensão está muito ligada ao descobrimento do Brasil e das Américas, por isso se tornou uma forma de expressão natural para nós. Nossa realidade e o nosso aparecimento no mundo têm realmente um lado mágico”, acredita. Tal perspectiva nem foi projeto dele, mas ganhou corpo durante o desenvolvimento do texto à medida que a história passou a se autodirigir.

TRILOGIA
Mergulho na região do espanto tem apenas o tema em comum com os outros livros, ambientados em Belo Horizonte. As abordagens são distintas. Mourão define Boca de chafariz como “retrato humano” da cidade, enquanto classifica Quando os demônios descem o morro como “montagem e desmontagem” dela. “Conviver diariamente com Ouro Preto mudou a minha linguagem”, explica. “Era muito formalista e intelectualista, hoje busco a expressão autêntica, forte e espontânea da realidade ouro-pretana.” Essa mirada vem da descoberta “de uma maneira legítima” de escrever sobre Ouro Preto, propósito surgido com o livro O alemão que descobriu a América, ensaio sobre o musicólogo Curt Lange (1903-1997) lançado por Mourão em 1990.

O autor não pretende lançar outro romance ambientado em Ouro Preto, embora não feche questão sobre essa possibilidade. Trabalhar na cidade histórica por décadas, atuando como diretor do Museu da Inconfidência, influenciou o surgimento da trilogia. “Essa atividade me deu uma visão cultural de Ouro Preto, a mais apta para compreendê-la”, observa. “Muitos acham que Boca de chafariz é o meu principal livro. Mas fiquei muito feliz de ouvir um aluno, durante oficina sobre o meu trabalho, dizer que o melhor é Quando os demônios descem o morro. Para quem escreve, o melhor é sempre o mais recente”, garante.

Entretanto, Mourão avisa: “Não escrevo só sobre Ouro Preto. Sou pai de muitos filhos”. Autor de Invasões no carrossel, Curral dos crucificados e Monólogo do escorpião, ele publicou 10 romances – obra que traduz sua paixão pela prosa. “É a minha expressão mais desejada. Gosto de levar as abordagens que crio até as últimas consequências. O romance e a ficção permitem profundidade, têm vida longa”, justifica. Ele também gosta – e muito – de escrever ensaios voltados para a análise cultural, aspecto integrado a seu estilo narrativo.

Rui Mourão escreve e reescreve com o propósito de buscar “intensidade máxima” para cada palavra. De acordo com ele, isso é essencial, pois o romancista tem a missão de abordar a realidade por meio delas. No momento, o mineiro acalenta o projeto de deixar a direção do Museu da Inconfidência para se dedicar apenas à literatura. “O que tinha de fazer por lá já fiz.” Idade? “Muitos anos, já perdi a conta”, brinca. Um sonho? Ter a obra completa editada.


MERGULHO NA REGIÃO DO ESPANTO
• De Rui Mourão
• Editora UFMG
• 341 páginas, R$ 48

Lançamento em BH
Quarta-feira, às 19h, na Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1.466, Lourdes). Informações: (31) 3409-4650

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