'O leitor do trem das 6h27', Jean-Paul Didierlaurent celebra o poder da literatura

De forma delicada, Jean-Paul consegue apresentar personagens simples que carregam histórias singulares

por Shirley Pacelli 30/10/2015 12:30
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(foto: Divulgação)
Levantar, dar oi ao vizinho com seu cachorro na rua e se arrastar até a plataforma para pegar o trem das 6h27. Mesmo assento, folhas na pasta, leitura em voz alta. Rangido do portão, Yvo Grimbert e, de novo, “A Coisa” – a famigerada máquina que destrói livros encalhados. Dia após dia, Guylan Vignolles vive a monotonia de sua sobrevivência. Tal qual o protagonista de O leitor do trem das 6h27, o romance de estreia de Jean-Paul Didierlaurent se arrasta em suas primeiras páginas.

O enredo acompanha os dias do solitário Guylan, solteiro, na casa dos 30 anos. Ele é funcionário de uma usina que elimina livros. Fora do trabalho, a rotina é alimentar o peixe dourado e visitar o colega Giuseppe, que teve as pernas amputadas em um acidente na empresa. A exaustiva condição inicial de “nada acontece” chega a afligir o leitor mais afoito, ávido por novidades.

À medida que a leitura avança, é possível perceber que a detalhada descrição do trabalho na usina se faz necessária. A máquina operada pelo personagem ganha vida – vira persona. Cada parágrafo reforça a relação de medo e repugnância de Guylan com o instrumento, apelidado de “A Coisa”. “Naquela manhã, A Coisa se levantara com o pistão direito. Abocanhou e engoliu sua primeira ração de obras sem o menor engasgo”.

Nessa jornada, a máquina, com seus dentes de aço, consome romances, contos e receitas. O que é inaceitável para Guylan, amante da leitura. Diariamente, ele salva algumas páginas da “boca” do monstro. E aí a obra começa a ganhar vida. As folhas, com trechos diversos, são lidas em voz alta por ele no trem, no trajeto para o trabalho. Mais do que desagradar, o hábito é bem recebido por outros passageiros. Justamente a falta de sequência das histórias desperta atenção e curiosidade.

Jean-Paul fisga de vez o leitor quando o protagonista encontra trechos misteriosos de um diário no vagão. Você se vê absorvido pelos relatos e nem se dá conta de quantas páginas ou horas se passaram. O texto se torna saboroso. Tudo o que se quer é descobrir se haverá aquele clichê esperado, o final feliz.

A obra se desenrola em torno do poder dos livros e da literatura. A mesmice é quebrada pela paixão pelas palavras. De forma delicada, Jean-Paul consegue apresentar personagens simples que carregam histórias singulares. Aí se percebe por que o autor, com seus contos, ganhou duas vezes o Prêmio Hemingway.

O LEITOR DO TREM DAS 6H27  
De Jean-Paul Didierlaurent
Editora Intrínseca
175 páginas  
R$ 34,90

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