Três tigres tristes

Fragmento de texto do dramaturgo Vinícius Souza, de Contagem

04/09/2015 10:13
(…)

CARLOS: A melhor coisa que eu fiz na vida foi aquele rato roedor que corria pelo viaduto, que ninguém entendia, mas todo mundo fala dele até hoje!
GUILHERME: Quem se lembra dele?!
CARLOS: Todo mundo, Guilherme!
GUILHERME: Todo mundo?! Quem são essas pessoas? Uns poucos consumidores de arte e uma meia dúzia de amigos... Eu cansei dessa história!
PABLO: O Guilherme tem razão!
CARLOS: O que vocês estão querendo dizer?!
GUILHERME: Você quer revolucionar o teatro fazendo uma coisa que não chega a ninguém, a lugar nenhum!
CARLOS: Você está sendo radical!
GUILHERME: Eu estou sendo radical?!
CARLOS: Vem com esse papo de arte para todo mundo, mas não consegue suportar qualquer arte que não seja a mesma que a sua!
GUILHERME: Você não sabe o que tá falando!
PABLO: O que o Guilherme tá dizendo é que não muda nada/
GUILHERME: Não muda nada no mundo!
PABLO: Não muda nada no mundo continuar fazendo arte para um grupinho de pessoas!
GUILHERME: Um grupinho bastante chato!
PABLO: Bem chato!
GUILHERME: Você, Carlos, está refém disso!
PABLO: É isso! Você está refém!
CARLOS: O que é que vocês estão falando?!
GUILHERME: A verdade é essa!
CARLOS: Você me diz isso agora, Pablo, mas ficou chorando no discurso de premiação
quando recebeu troféu de melhor ator! Troféu que quem te deu foi esse mesmo grupinho!
PABLO: Isso já tem um tempo!
GUILHERME: Você tá dizendo isso, Carlos, porque seu sonho é receber um prêmio desses... E nunca recebeu... Nem vai... E aquele seu rato roedor, correndo pelo viaduto, que todo mundo gostou, sequer foi indicado...
CARLOS: Porque eles ainda não têm essa categoria! Aliás, o problema deles é o mesmo que o seu!
GUILHERME: Que problema?!
CARLOS: Vocês querem categorias! Vocês querem dizer o que é uma coisa e o que é outra!
PABLO: Eu não quero nada!
CARLOS: O que é erudito e o que é popular... O que é que vai mudar o mundo e o que não!
PABLO: O Carlos tem razão!
CARLOS: Está tudo misturado, gente! As coisas estão aí! As coisas estão todas aí! Movediças!
GUILHERME: Estão o quê?
CARLOS: Movediças! Eu aprendi essa palavra, achei bonita! Tem a ver com instabilidade, com não estar fixo, não estar firme, não estar/
GUILHERME: Eu sei o significado!
CARLOS: Você sabe tudo não é, Guilherme?!
PABLO: Deve ter um jeito!
GUILHERME: Eu só queria fazer uma peça que a minha mãe compreendesse, que ela achasse interessante, pelo menos...
PABLO: Às vezes, eu me canso.
GUILHERME: Uma peça que pudesse ser feita em qualquer parte do mundo, porque ela seria compreendida!
CARLOS: Isso não existe!
PABLO: É muita responsabilidade. Eu não dou conta disso!
CARLOS: Pode ser que compreendam só séculos depois... Aquele pintor do girassol, por exemplo...
GUILHERME: Van Gogh.
CARLOS: Esse! Morreu pobre! Ninguém entendeu nem quis comprar a arte dele. No entanto, hoje/
GUILHERME: Ah, você é o nosso Van Gogh?! É isso que você quer dizer?! O seu rato roedor no viaduto é o novo girassol amarelo expressionista?
CARLOS: Não, porque do rato roedor as pessoas gostaram!
PABLO: Eu preciso fazer algo besta, simples, mas que seja novo, original. Eu preciso fazer alguma coisa que vem aqui do fundo, da minha existência, que seja a coisa mais importante que eu tenha pra dizer, mas que seja coletivo, político, que seja sobre o meu tempo, sobre as pessoas à minha volta. Que seja doce, bonito, mas que tenha algo de estranho, que seja grotesco. Que seja pra um pouquinho de pessoas sentadas bem perto de mim, mas que também seja pra uma multidão no estádio mais lotado, que seja épico! Que seja artístico, inquieto, que seja pós alguma coisa, mas que não seja difícil demais, que pelo menos alguém no mundo possa entender... Que seja importante! Que seja isso, que seja aquilo. Eu só queria fazer uma peça. Só isso! Só uma peça!
CARLOS: Tudo bem, pessoal! Não vamos desanimar!
PABLO: Será que no Atlântico Sul eles se importam com arte?
CARLOS: Vamos começar de novo! Cada um vai falar no seu tempo, sem que o outro interrompa. Quem tem uma ideia pra inauguração do bar?

Vinícius Souza

Dramaturgo, 27 anos, nasceu em Contagem (MG) e mora em Belo Horizonte. Com Sara Pinheiro, é idealizador do projeto Janela de Dramaturgia. A peça curta Três tigres tristes foi lida na edição 2014 do projeto. O Janela de Dramaturgia está sendo realizado em Belo Horizonte, sempre na primeira terça-feira do mês, no Teatro Espanca!, e 10 textos inéditos serão apresentados até dezembro.

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