Mercado em expansão

Camila Saraiva, editora da Ática, e Renata Fahrat Borges, da Peirópolis, concordam que o mercado brasileiro se expandiu e ambas se mantêm firmes na defesa de suas apostas. As editoras são as que mais publicam adaptações de clássicos literários em quadrinhos. O modo de produção varia entre as editoras, mas o crescimento da demanda institucional possibilitou, inclusive, que as pequenas investissem em adaptações. A diversidade de liguagens e visões aumenta e o público agradece.

por 21/08/2015 00:13

Camila Saraiva e Renata Fahrat Borges, editoras

 

 As adaptações de obras literárias para quadrinhos ajudam a aquecer a produção?
Camila Saraiva (Editora Ática):
As editoras estão investindo muito em adaptações em quadrinhos. Produzir uma HQ nacional leva tempo e custa caro. Mas o fato de o governo ter adotado adaptações de clássicos da literatura em quadrinhos em programas federais como o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) fez com que muita editora pequena, além das grandes, investisse na produção. E quem sai ganhando com o aumento da produção são os leitores, o que colaborou com a melhora na qualidade dos livros e o crescimento do número de leitores.

Renata Fahrat Borges (Editora Peirópolis): Em uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), identifiquei cerca de 50 editoras que publicaram ao menos uma quadrinização de clássicos da literatura universal neste século. Dez delas publicaram mais de 10 títulos. Foram cerca de 350 quadrinizações publicadas desde 2000. A coleção da Peirópolis publica apenas artistas brasileiros e sua visão sobre o cânone literário.

Como é a relação entre a editora, o adaptador do texto e o ilustrador?
Camila:
As editoras grandes geralmente contratam os serviços do roteirista para o texto, que ganha como fosse um autor de livro e recebe royalties e adiantamento. E o ilustrador, que ganha um valor fixo pela entrega das artes ilustradas e os royalties. Em alguns casos, o roteirista e o ilustrador podem ser a mesma pessoa. O briefing do roteiro é da editora. Existem duas etapas importantes: a aprovação dos rascunhos e, depois, a aprovação das artes-finais. A editora de texto e a editora de arte tomam as decisões necessárias para orientar o trabalho. A produção de uma adaptação, com cerca de 100 páginas, leva, em média, um ano.

Renata: Na maioria das nossas quadrinizações, o ilustrador é também o adaptador. Nosso pressuposto teórico é o de que o quadrinista seja um leitor apaixonado pela obra, que a obra tenha feito parte de sua formação como leitor literário e que ele possa subjetivar esta leitura numa espécie de homenagem ao autor. É uma leitura possível da obra. No entanto, para que esse quadrinista tenha a visão da obra e do seu contexto, costumamos convidar um especialista no autor ou na obra para uma conversa e até mesmo um acompanhamento da quadrinização, quando necessário ou bem-vindo.

As versões em HQ ajudam a divulgar os clássicos da literatura?
Camila:
Acredito que as adaptações, sejam em quadrinhos ou em texto, são sempre um convite para ler o original depois. Muitos leitores que optam por ler os quadrinhos já leram ou são fãs do original. Se não adaptarmos as histórias clássicas aos meios de comunicação atuais, se não arejarmos a linguagem, a cada dia elas deixarão de ser lembradas. A leitura de HQ exige outras formas de interação e cognição.

Renata: Uma leitura da obra, em quadrinhos, audiovisual, teatro ou qualquer outra linguagem, rouba-lhe algo. Acredito piamente na capacidade dessas leituras de iluminar e divulgar grandes histórias e enredos e popularizar mitos literários. O resultado estético próprio dessas quadrinizações pode, por si só, ser uma experiência de leitura enriquecedora, não apenas por popularizar os clássicos.

Qual a relação da produção de adaptações literárias com a demanda dos programas do governo federal?
Camila:
A produção aumentou graças às compras do governo. Mas, além dos programas federais, existe um mercado de varejo para isso. É o famoso mercado de nicho, muito fiel e exigente, mas também tem o mercado de oportunidades e ocasião, que é o jovem que tem de ler os clássicos para o vestibular ou a escola e acaba comprando a adaptação em quadrinhos. Acredito que a tendência seja só aumentar esse tipo de produção.

Renata: Atualmente, existe uma instabilidade dos programas públicos de leitura, o que é um grande retrocesso de uma conquista importante dos últimos 10 anos possibilitada pelo governo Lula. Mas, hoje, nenhum editor pode pensar em produzir quadrinizações apenas para o PNBE.

Como vê a produção de quadrinhos no Brasil hoje?
Camila:
Pujante! Vejo grandes roteiristas das antigas na ativa e vejo novos nomes surgindo. E, com o aumento da produção, a tendência é que a qualidade só aumente. A cada ano que passa, autores clássicos entram em domínio público e novas adaptações são publicadas. As adaptações em quadrinhos vieram pra ficar.

Renata:
Vejo a tecnologia dando respaldo à produção independente, dando vazão a uma característica marcante do mercado de quadrinhos. É um público vasto e cativo, uma legião de fãs e aficionados, uma mescla de produtores e receptores, gente que é produtor e consumidor ao mesmo tempo. Ou seja, a tecnologia vem dando impulso à edição independente, não apenas pela facilidade na editoração, mas também pela facilidade de captação de recursos por meio do crowdfunding. (PPF)

 

PARA LER MAIS
l Clássicos em HQ
Renata Farhat Borges (org.)
Peirópolis, 2016

l Grande sertão: veredas –
Graphic novel
João Guimarães Rosa
Adaptação de Eloar Guazzelli
Desenhos de Rodrigo Rosa

MAIS SOBRE PENSAR