O convite para o projeto partiu da própria editora e ele de cara aceitou a empreitada, que teve a aprovação da família do escritor alagoano. Mais do que uma honra, Guazzelli considera esse trabalho uma grande responsabilidade. “Há cobrança interna e externa. Eu sempre vou procurar me superar e ir atrás de desafios na minha profissão. É isso que nos move. Mas tem um peso pelo fato de eu já ter feito outras adaptações. No entanto, nesta altura do campeonato, por mais que a opinião alheia importe, sim, tenho que me orientar, sobretudo, pelo meu senso crítico”, ressalta.
Para o artista gaúcho, trabalhar com amigos é uma faca de dois gumes, porque, se der certo, é a melhor coisa do mundo, mas, do contrário, pode até abalar a relação. Entretanto, ele tem tido ótimas experiências nesse sentido. “Com o Arnaldo, foi a primeira vez e deu supercerto; foi um bate-bola relativamente tranquilo. E o mesmo aconteceu com o Rodrigo Rosa na adaptação em quadrinhos do Grande sertão: veredas (Guimarães Rosa). Só que ele desenhou e eu fiz o roteiro. Com amigos, a gente tem mais intimidade em cobrar, em fazer alguma manobra. No fim das contas, nos dois livros, o resultado me deixou tão feliz que contrabalançou esse peso de estar fazendo a versão de um clássico da nossa literatura”, opina.
Em Vidas secas, Arnaldo Branco e Eloar Guazzelli dão ao leitor a chance de olhar para essa obra, lançada em 1938, por um novo ângulo e também de encontrar detalhes e ressaltar temas que talvez tenham passados despercebidos numa leitura anterior. As figuras que retratam os personagens não têm rosto, para mostrar que aquela luta pela sobrevivência não é apenas de Fabiano, sua mulher e seus filhos, mas de milhares de pessoas. “A obra do Graciliano é perfeita porque ele é um raixo-x; ele não fantasia. Eu quis enfatizar pelo meu desenho também toda aquela dureza, a aridez e a hostilidade em que os protagonistas estão inseridos”, comenta.
As cores utilizadas representam todo esse ambiente. Tons mais terrosos, como o vermelho quase ocre do sol e do sangue, além de mais escuros e fortes, como nos trechos em que a injustiça e a perversidade se destacam no livro. “Para mim, seria muito incômodo apresentar uma visão colorida e cheia de detalhes. Aquilo é tão rude, tao agreste, que isso não se encaixava. Mas ao mesmo tempo tem uma certa beleza que eu busquei colocar também”, explica.
A representação iconográfica foi inspirada, principalmente, no filme Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, mas, para o ilustrador, os quadrinhos têm a possibilidade de ampliar esse caráter da fantasia que a telona proporciona. “O que no cinema seria muito caro, no HQ é bem mais viável”, resume.
Tanto Guazzelli quanto Arnaldo têm no currículo outras adaptações para os quadrinhos de obras-primas da literatura brasileira, seja desenhando ou roteirizando. Arnaldo Branco foi o responsável pelas versões em HQ de dois clássicos de Nelson Rodrigues, Véu de noiva e O beijo no asfalto. Já o colega gaúcho, além de Vidas secas e Grande sertão: veredas, que ganhou recentemente o HQ Mix 2015, o prêmio máximo dos quadrinhos no Brasil, tem em sua bibliografia os quadrinhos de A escrava Isaura (Bernardo Guimarães); Demônios (Aluísio de Azevedo); Amar, verbo intransitivo (Mário de Andrade); e O pagador de promessas (Dias Gomes) e vai lançar em breve o HQ de um outro livro de Dias Gomes, O bem-amado. O ilustrador defende que se o cinema e a televisão podem adaptar clássicos, os quadrinhos também podem e, sobretudo, atrair novos públicos. “Tem muita gente do nosso meio trabalhando de uma forma maravilhosa, profissionais de muito talento e é um nicho de mercado. Sem contar que podem conquistar leitores para esse tipo de literatura ou mesmo criar um novo olhar. Isso mostra que os quadrinhos estão vivendo um grande momento”, frisa.
VIDAS SECAS: GRAPHIC NOVEL
l Graciliano Ramos
l Ilustrações: Eloar Guazzelli
l Roteiro: Arnaldo Branco
l Editora Galera (Grupo Record)
l 104 páginas
l Preço: R$ 49