Uma conversa cúmplice

Entrevista de Susan Sontag para a revista Rolling Stone, publicada em 1978, revela uma pensadora sem medo de abordar temas difíceis e banais

por Carolina Braga 21/08/2015 00:13
É inevitável não se sentir um pouco voyeur com a leitura de Susan Sontag: entrevista completa para a revista Rolling Stone, de Jonathan Cott. O livro, publicado no Brasil pela editora Autêntica, reúne a íntegra da conversa que eles tiveram em 1978, entre Paris e Nova York.


Logo na introdução, Cott lembra a opinião que J.M Coetzee tinha sobre as entrevistas. O vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2003 acreditava que nove entre 10 encontros desse tipo não passam de “uma conversa com um completo estranho, mas um estranho que, pelas convenções do gênero, tem permissão para ultrapassar os limites do que é apropriado numa conversa entre estranhos”. O livro de Jonathan Cott contribui para a desmitificação desse momento, amado por alguns e odiado por muitos.

Sontag revela que sempre gostou de dar entrevistas e o motivo é até banal: era atraída pelo diálogo. “Sei que boa parte das minhas ideias é produto da conversação.” Poderia ser mais uma entre as tantas que deu ao longo da vida se não fosse a respeitosa intimidade intelectual que repórter e personagem desfiam ao longo de 123 páginas de boa conversa.

É aí que entra o voyeurismo. Da vontade de ter dividido o café, o vinho, o Jack Daniels ou qualquer outra coisa que eles poderiam estar degustando enquanto falavam sobre o estar no mundo com todas as suas inseguranças e oscilações. Há um clima de amizade que ultrapassa as letras de forma impressa no papel. Se mudar é constância da vida, Sontag assume isso como condição de sobrevivência. Jonathan Cott, por sua vez, se mostra um ouvinte atento e preparado para extrair dela o que vai além daquilo que já está em livro.

Naquele fevereiro de 1978, Susan havia lançado há pouco mais de um ano o elogiado Sobre a fotografia. Estavam a ponto de ser disponibilizados ao público o livro de contos I, etcetera e A doença como metáfora, sobre o enfrentamento do primeiro câncer (ela não resistiu à volta da doença em 2004, quando faleceu). Por serem as obras mais “frescas”, são elas que norteiam a maior parte do papo.

Com liberdade, eles falam, por exemplo, sobre a necessidade de reflexão constante (“se a gente não pensa nas coisas, acaba sendo veículo dos clichês do momento, mesmo dos mais inteligentes”), o ofício (“o escritor faz isso, presta atenção no mundo”), envelhecimento (“pessoas idosas têm um senso de inferioridade terrível. Elas se sentem constrangidas por serem velhas”), doença, amor, sexualidade, feminismo e outros.

Cinema, fotografia, literatura e música são expressões artísticas que também permeiam a conversa. Embora a ensaísta tenha uma obra teoricamente consistente, o diálogo entre Susan Sontag e Jonathan Cott revela o quanto ela é encantadoramente comum. “Sou muito mais ignorante do que as pessoas pensam”, confessa.

Sontag diz que lê como “os outros gostam de ver televisão”, é fã de Patti Smith e acredita que rock’n’ roll mudou a vida dela. Ao mesmo tempo, carrega em si uma infindável lista de citações e referências que jamais usa como instrumento de arrogância ou poder. Conhecer, para ela, é necessidade.

Outra publicação recente de Susan Sontag no Brasil é a edição de bolso de A vontade radical, originalmente publicado em 1966 e relançado pela Companhia de Bolso. Para quem já conhece a obra da ensaísta, a leitura de Susan Sontag: entrevista completa para a revista Rolling Stone é como compartilhar um momento mais íntimo. Quem tem com o livro a primeira aproximação às ideias dela, dificilmente não se sentirá seduzido pela mulher que assume suas inconstâncias e escolheu lidar permanentemente com elas.

 

 

 

Se mudar é constância da vida, Sontag assume isso como condição de sobrevivência

 

 

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