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Meias-entradas para show de Caetano Veloso e Gilberto Gil acabam em 40 minutosFundação Clóvis Salgado dispensa Marcelo Ramos do posto de titular de sua orquestra Ponto de Partida traz a BH musical dedicado à arte de lembrarOs olhos passeiam pelas prateleiras e encontram dezenas de volumes. A todo momento nota-se o cuidado do professor com cada livro e seu profundo amor pela leitura. “Comecei a formar minha biblioteca, em casa, aos 12 anos. Sei que livro não é só o que está dentro da capa. É um objeto de arte”, destaca Wander. Com toda certeza, respira-se bem nesse ambiente: as palavras estão no ar, os pensamentos nas páginas, os sentimentos do mundo nas linhas, ansiosos para chegar ao leitor e se multiplicar com a força dos sentidos.
Como foi criada e se consolidou a Editora UFMG?
Ela surgiu há 30 anos, é um órgão suplementar da reitoria da universidade. Há um conselho editorial, do qual sou presidente, então todas as publicações passam pelo seu crivo. Hoje, no catálogo de publicações, temos 50% de trabalhos de professores da UFMG e o mesmo tanto de brasileiros e do exterior. Há autores estrangeiros sendo publicados pela primeira vez no Brasil. Vale destacar que, em um ranking feito por um jornal econômico de circulação nacional, nossa editora ficou entre as cinco melhores do país, à frente de todas as universitárias. Temos cerca de 1,1 mil títulos e já vendemos em torno de 1,2 milhão de livros. Do total de títulos, 400 estão esgotados e, desses, pelo menos 100 merecem ser reimpressos.
A quê o senhor atribui a boa posição no mercado?
Deve-se principalmente à publicação de material de ponta. Vamos lançar, por exemplo, cinco volumes da obra do filósofo italiano Roberto Esposito, saindo em português pela primeira vez. Aliás, a UFMG foi a primeira editora a publicá-lo no Brasil. Os autores estrangeiros são editados se tiverem uma relação com a linha de pesquisa da universidade, já que a editora não é um setor desvinculado da vida acadêmica. Não publicamos teses de doutorado e dissertações de mestrado dos professores, a não ser quando transformadas em livros com uma linguagem diferenciada que passa pela avaliação do conselho editorial.
Quais são as áreas do conhecimento mais contempladas?
Editamos livros de todas as áreas: química, artes, medicina, história, educação, filosofia, literatura, engenharia, geologia, linguística, economia, enfim, todas. Temos uma gráfica na universidade, mas também trabalhamos com outras. Temos uma publicação anual de 60 títulos, entre livros novos e reimpressões.
O senhor poderia destacar uma obra de relevância publicada recentemente?
Podemos destacar Guerra literária - Panfletos da Independência (1820-1823), obra em quatro volumes organizada por José Murilo de Carvalho, Lúcia Bastos e Marcello Basile. Trata-se de uma coleção de panfletos escritos na época da Independência do Brasil. Temos manifestos, diálogos, e outros documentos encontrados em bibliotecas do mundo inteiro. É um clássico, com 3,4 mil páginas, uma obra muito importante, de referência, que demandou 10 anos de pesquisas. Vai sair também em formato de bolso. Nesse trabalho, foi fundamental a parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Temos também Drummond & Alceu – Correspondência entre Carlos Drummond de Andrade e Alceu Amoroso Lima
Qual a diferença entre uma editora universitária e uma comercial?
A universitária tem o compromisso, por meio de publicações de ponta, de fazer avançar o conhecimento, torná-lo público. Não tem fins lucrativos, mas também não pode ter prejuízos. Aqui a gente empata.
Como está a situação neste momento de crise econômica?
Estamos levando muito devagar. Diminuimos a produção em 30% e as vendas caíram 20%. Mas acho que isso está ocorrendo no Brasil todo.
Qual a estratégia para prosseguir?
Continuar trabalhando, mas freando um pouquinho, sem penalizar a produção e nunca descuidar da qualidade.
O padrão gráfico da Editora UFMG é reconhecido, respeitado...
O padrão editorial do Brasil subiu muito, está entre os melhores do mundo. Acompanhamos o mesmo padrão dos Estados Unidos e estamos até melhor que a Europa.
O leitor brasileiro percebe isso?
Ele é muito exigente! O leitor brasileiro não pega na livaria uma obra graficamente malfeita, nem a livraria põe para vender. O padrão gráfico na UFMG é realmente reconhecido no mercado. Melhoramos nosso papel, e eu, como sou perfeccionista, faço questão de acompanhar todo o processo, opino sobre o tom da capa, enfim, todas as etapas. Nosso trabalho na Editora UFMG é muito artesanal.
Como leitor e editor, o senhor tem preocupação quanto ao presente e ao futuro dos livros de papel?
Sempre digo que somente pararia de ler e de comprar livros de papel se a biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e a Biblioteca Nacional de Paris, na França, também parassem. Para mim, o livro convive muito bem com todos os tempos, pois é a tecnologia mais perfeita que existe, tem grande durabilidade, tem longevidade, enquanto outros suportes ficam obsoletos rapidamente. Um livro, você pode levar e ler em qualquer lugar.
Há muitas livrarias fechando em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Isso o preocupa?
Acho que as pessoas continuam comprando livros, só que agora pela internet. Eu, particularmente, compro muitos livros de forma virtual, em sites. Só mesmo quando viajo para o exterior é que compro livro em livrarias, os que não encontro aqui. Desse jeito, a forma de comprar é que está mudando. Mas devo dizer que se publica muita coisa ruim no Brasil. Acho que a pessoa só deve publicar o livro quando tem realmente algo a dizer. Escrever só por uma necessidade interior não basta.
Dizem que escrever bem é cortar palavras. Editar é assim também?
Com certeza. Nosso conselho editorial é formado por pessoas de várias áreas da universidade. Acompanho muito as de letras e humanas, por isso tenho muita informação sobre o que as pessoas estão lendo. O editor precisa ter um foco para saber exatamente para onde vai.
Belo Horizonte está bem contemplada no catálogo da editora?
Não aparecem muitas coisas novas e a gente publica pouca literatura. Mas já publicamos Homem ao termo, de Affonso Ávila (1928-2012), poesias reunidas de 1949 a 2005, Inventário (1951-2002), de Laís Corrêa de Araújo (1929-2006), Itinerário poético, de Emílio Moura (1902-1971), A pedra e o tempo, arquitetura como patrimônio cultural, de Flávio de Lemos Carsalade. Sobre Minas, temos o Dicionário do dialeto rural no Vale do Jequitinhonha, da professora da Faculdade de Letras Carolina Antunes. Como novidade, teremos um livro sobre Ouro Preto, de Rui Mourão (diretor do Museu da Inconfidência).
O senhor está dos dois lados, é editor e leitor voraz. Portanto, o que é um livro?
O livro não é só o que está dentro da capa. Livro é um objeto de arte. Infelizmente, no Brasil, temos bibliotecas ruins, livros caros e tiragens pequenas – quanto menor a tiragem mais caro é o livro. As pessoas não têm dinheiro para comprar livros. Então forma-se um circulo vicioso: não têm o hábito de ter livros em casa nem de lê-los.
Roberto Esposito
Importante filósofo contemporâneo, trabalha com o conceito de biopolítica, criado por Foucault, redimensionando as ideias de “comunidade” e “sistema imunitário”. Professor de filosofia teórica em Nápoles e Florença, seus livros têm provocado grande debate no meio acadêmico. No Brasil, a Editora UFMG publicou Pensamento vivo – Origem e atualidade da filosofia italiana, que aborda as relações do indivíduo com o poder e defende a importância da filosofia italiana atual.