Luiz Ruffato faz ano sabático, mas seus livros ganham telas e traduções no exterior

Escritor mineiro, que participou do Festival Literário de BH, fala sobre cinema, literatura, política e jornalismo

por Ana Clara Brant 04/07/2015 06:00
Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Luiz Ruffato defende o papel dos eventos literários na difusão da literatura (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press )

O escritor mineiro Luiz Ruffato, autor de livros como Eles eram muito cavalos, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você e do projeto Inferno provisório, composto por cinco livros sobre o operariado brasileiro, decidiu fazer de 2015 o seu ano sabático. A não ser seu artigo semanal na versão brasileira do jornal espanhol El País, ele não está escrevendo. “O meu compromisso é com a coluna semanal do El País, além da divulgação dos meus livros. Tenho participado de muitos eventos não só no Brasil, mas no exterior. Estou numa fase de correr e de tentar ganhar dinheiro”, revela Ruffato, que nasceu em Cataguases, na Zona da Mata. Ele acabou de voltar de uma feira literária na Finlândia e também esteve presente no primeiro Festival Literário de Belo Horizonte (FLI-BH), na semana passada. Mas se o autor está de “recesso”, sua obra não está e deve invadir a telona nos próximos meses. Redemoinho, do diretor José Luiz Villamarim, inspirado no livro O mundo inimigo: Inferno provisório vol. 2, traz no elenco nomes como Cássia Kis Magro, Dira Paes e Irandhir Santos e está em fase de finalização.

O longa Estive em Lisboa e lembrei de você tem direção do português José Barahona e deve ser exibido inicialmente em festivais. Sem falar que um dos seus contos, O ataque, será adaptado para a TV, por Luiz Fernando Carvalho. Em entrevista ao Estado de Minas, o escritor falou não só sobre cinema, mas sobre literatura, política e jornalismo, sua formação.

Você continua a acreditar no papel transformador da literatura?


Pode parecer utópico e romântico, mas não só acredito, como, cada vez mais que ando pelo Brasil, percebo como isso é verdadeiro. O livro transforma, sim, uma pessoa. O problema é que temos uma sociedade com poucos leitores, com um índice de analfabetismo muito alto e um desprezo enorme pela cultura letrada. E isso faz com que o livro não tenha a menor importância. Mas, eu não tenho a menor dúvida de que a literatura é, sim, transformadora.

Como vê o papel das feiras literárias?


É engraçado, porque tem muita gente que critica a quantidade desses eventos literários no Brasil. E eu acho isso de um cinismo. Quanto mais pessoas tiverem acesso ao livro e conversarem sobre livros, melhor. Não entendo essas críticas. Nunca tivemos tanto acesso à informação como agora. Mas, ao mesmo tempo, nunca as pessoas estiveram tão desinformadas. É porque ninguém consegue se informar pela internet. Ali é um balaio de gato, tem de tudo. E como você decide o que é ou não a informação correta? Então, pra mim, um dos papéis desses festivais é ver as pessoas falando, porque, quando você vê alguém falando, você vê que ele é real, que ele tem cara e você supõe que ele está falando algo confiável.

Na abertura da Feira de Frankfurt de 2013, você fez uma radiografia do Brasil, criticando a desigualdade social, o sistema educacional, entre outros pontos, e que provocou muita polêmica. Acredita que alguma coisa tenha mudado naquele Brasil que você retratou na Alemanha?

Acho que, infelizmente, não mudou nada. E não mudou porque aquele retrato não é um retrato de um momento, mas de um processo. E esse processo não se modificou e não vejo, sinceramente, nenhuma perspectiva de mudança. Fica parecendo algo meio pessimista, mas você olha e parece que não há políticas públicas efetivas e perenes. São sempre coisas localizadas e pontuais.

Você chegou a ser criticado por algumas pessoas na época como o Ziraldo, a Nélida Piñon. Tem mágoas com relação a eles ou a alguém?

Eu nunca respondo a qualquer critica que fazem a mim e nem aos meus livros. Acho que todo mundo tem o direito de manifestar a sua opinião. Eu manifestei a minha e evidentemente elas poderiam emitir uma opinião contrária. Isso está dentro do campo da democracia. Fiquei pasmo, na verdade, com alguns intelectuais que tiveram um comportamento discutível em relação ao que eu disse e, em vez de discutir as ideias que coloquei, foram fazer críticas a mim, especificamente. Criticas pessoais. Eu não estava em questão e nem estou. Isso mostra um pouco que até no meio intelectual a mediocridade impera. Mas não muda em absolutamente nada o que eu penso e o que eu disse. É aquilo e ponto final.

Você tem participado de muitos eventos literários fora do Brasil, sobretudo na Europa. Como tem sido a repercussão do seu trabalho no exterior?

É curioso, porque, hoje – pode até parecer uma coisa pretensiosa, mas não é –, em alguns lugares, tenho muito mais visibilidade do que no Brasil. Na Alemanha, por exemplo, lancei Eles eram muito cavalos, em 2012, e ele teve uma repercussão tão grande, que o livro já está na terceira edição e ainda ganhou o maior prêmio de tradução alemão. Já a Finlândia é o segundo país onde eu sou mais conhecido na Europa. No ano passado, lancei Eles eram muito cavalos e o livro teve uma excelente repercussão, a ponto de esgotar a primeira edição rapidamente. Este ano, voltei à Finlândia para lançar o Flores artificiais, que também foi bem recebido. É um trabalho que você vai aos pouquinhos. Tenho livros em 10 países e, cada um à sua maneira, com uma repercussão muito positiva.

Como avalia a repercussão de Inferno provisório? Teria fôlego para iniciar uma nova série temática de romances?

Quando pensei em fazer literatura, o primeiro projeto que idealizei foi o Inferno provisório. Não foi o primeiro livro que escrevi e nem é, dos meus livros, o mais conhecido, ou traduzido ou vendido. Mas, na primeira vez que eu pensei ‘vou fazer literatura’, me veio à cabeça esse projeto. E ele tinha um objetivo muito claro: discutir a questão do pertencimento, a questão de tentar incluir a classe média baixa como personagem da literatura brasileira e era também uma questão de pensar historicamente e politicamente esses 50 anos do Brasil, que é a segunda metade do século 20. Penso que ele cumpriu claramente o que eu queria. Por isso, não vejo sentido em ter um outro projeto tão longo assim.

Valeu a pena ter abandonado o jornalismo e abraçado a literatura?


Do ponto de vista profissional, pensando eu como escritor, sem dúvida alguma, porque eu posso me dedicar 24 horas por dia a pensar isso. Do ponto de vista pessoal, é meio ruim. No jornal, você está dentro de uma redação, convive com pessoas e, por mais estressante que seja o ritmo, é engraçado ao mesmo tempo. A gente reclama, mas gosta. E do ponto de vista financeiro, acredito que hoje eu tenha uma vida financeira muito mais folgada do que quando eu estava no jornalismo. Inclusive, porque o jornalismo está pagando muito mal atualmente e não valoriza o profissional. Acho um absurdo, porque é um profissional extremamente importante para a democracia.

MAIS SOBRE PENSAR