Às armas, companheiros

por 04/07/2015 00:13
Scriptum/reprodução
None (foto: Scriptum/reprodução)


No início de sua atuação, o Colina foi dividido em comandos. Os mais “cascudos” foram escalados para as ações armadas. Vale lembrar que o núcleo central da organização foi formado por estudantes da Escola de Medicina da UFMG, ou seja, a maioria jovens com ótima formação intelectual e oriundos de famílias com boas condições financeiras e, provavelmente, com futuro confortável pela frente. A cunhada do autor do livro e esposa de Jorge Nahas, Maria José Nahas, era uma das estudantes de medicina que encamparam a luta armada. Após algumas ações, ela ficou conhecida na imprensa como a “Loura da metralhadora”.

O autor relembra no livro uma frase da atriz Vanja Orico que dá bem as opções de posicionamento à época. “Há momentos em que a gente tem que se definir, senão vira mosca ou barata”, disse Vanja ao ser entrevistada após se ajoelhar em frente a um tanque do Exército pedindo clemência aos militares, em uma passeata na Praça Onze, no Rio de Janeiro.

As duas primeiras ações do Colina foram um fracasso. A primeira, efetuada pelo grupo do Rio de Janeiro, visava ao justiçamento do militar boliviano Gary Prado, que estava na capital fluminense e era o algoz, no ano anterior, de Che Guevara. Porém, por engano, mataram com 10 tiros o major do Exército alemão Edward Ernest Tito Otto Maximilian von Westernhangen, que também estava no Rio participando do mesmo curso do boliviano.

“Caso Gary Prado tivesse sido morto, o fato teria tido repercurssão internacional, embora o justiçamento de qualquer pessoa seja um ato condenável”, escreveu Nahas. Logo depois, o grupo de Belo Horizonte montou um cerco para expropriar um jipe que estaria carregado com dinheiro para pagamento de funcionários da Secretaria da Fazenda, em Guanhães. Mas o dinheiro havia ido em outro veículo.

A ação começou pra valer quando expropriaram o Banco do Comércio e Indústria, na Avenida Pedro II. Nas primeiras ações, o Colina não conferia tom político aos atos e os membros gostavam de ser confundidos com uma quadrilha paulista, como chegou a pensar a polícia. “E a polícia tem muitos motivos para acreditar nisso porque ladrão mineiro nunca usou metralhadora para assaltar”, foi noticiado à época no jornal Última Hora.

Com o dinheiro, o grupo se armou. Além da citada metralhadora Thompson, foram compradas uma metralhadora e duas carabinas calibre 22. Um fuzil Fal e uma pistola 45 tomadas de militares integravam o pequeno arsenal. O dinheiro do enxoval de casamento de Maria José e Jorge Nahas também foi usado para a compra de armamento.

O período entre o primeiro assalto até a queda na Rua Atacarambu foi o ápice do Colina. A narração de Nahas é um roteiro perfeito para ser filmado: jovens inteligentes, disfarçados com boinas, perucas, óculos, barbas postiças, armados até os dentes dirigindo carros clássicos e coloridos pelas ruas de uma Belo Horizonte de outrora, enquanto planejam a expropriação de mais um banco.

“Seja como for, aqueles que efetivamente assaltaram carros, bancos, colocaram bombas nas casas dos interventores, sacrificaram suas vidas e suas profissões em busca do seu ideal revelaram uma convicção política e uma coragem pessoal extraordinária. Até hoje, é espantosa a audácia e a determinação daqueles que se dispuseram a executar tarefa tão espinhosa. As vidas desses militantes, dos seus pais, mulheres e irmãos seriam totalmente modificadas pelas suas decisões”, escreveu Nahas.

O livro também relata a consequência pesada dos atos: prisão, tortura, sucídio e mortes nos porões da ditadura. A obra de Nahas contempla desde a formação, passando pela atuação do Colina até a prisão e transferência para o presídio de Linhares, em Juiz de Fora. O autor detalha também como muitos integrantes do Colina foram exilados, graças à atuação de companheiros que sequestraram embaixadores de outros países e trocaram a liberdade do diplomata pelo exílio dos que estavam presos. Por fim, o livro encerra com o retorno dos militantes com a anistia.

“A grande maioria já mudara suas convicções antes mesmo de voltar ao Brasil. Outros levaram muitos anos para acreditar que o mito da revolução socialista estava ultrapassado, fora de época e de lugar. Era uma verdade difícil de ser aceita, mas que se tornava cada dia mais nítida e forte”, conclui o autor. (DC)



Três perguntas para...

Jorge Nahas

integrante do Colina, preso na Rua Atacarambu, em 1969

Irmão do autor do livro, Jorge Nahas era um dos sete integrantes do Colina presentes quando a polícia invadiu a casa da Rua Atacarambu. Após ser preso e torturado, Nahas foi um dos 40 presos políticos exilado graças a uma troca com o embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig von Holleben, sequestrado por seus companheiros. Depois de partir para a Argélia, seguiu para Cuba, onde concluiu o curso de medicina. Voltou ao Brasil com a anistia, em 1979, e seguiu carreira em importantes cargos públicos na Prefeitura de Belo Horizonte. Atualmente, é presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).

Qual a memória mais latente que o senhor tem daquele dia?

São muitas imagens. Lembro-me de muitos acontecimentos e outros não, pois a memória é traiçoeira. Lembro-me de escutar uma enorme explosão quando eles estouraram a porta. Depois, foi muita gritaria e veio o tiroteio. Lembro-me de que um policial atirou em mim, de muito perto, mas errou o tiro. Depois, de nós enfileirados na parede esperando para morrer, para ser fuzilados. Foi a primeira vez que eu vi realmente a possibilidade da morte. Lembro-me do olhar de despedida que troquei como minha esposa na época (Maria José Nahas), pois tínhamos certeza de que morreríamos. O delegado (Luiz Soares da Rocha) foi o responsável pela invasão atrapalhada, mas foi ele quem decidiu que não iríamos morrer fuzilados ali. Penso que ele teve medo da repercussão do que poderia representar a morte de sete universitários pela polícia.

O senhor faria tudo novamente?

Essa é uma pergunta que não tem resposta. Se eu fosse a mesma pessoa, com a influência das mesmas ideias e com a mesma ditadura, faria. Mas fazer essa análise hoje é algo extemporâneo, pois é um anacronismo. Atendemos ao chamado da história e não me arrependo. Era uma ditadura que impedia qualquer tipo de manifestação e nós atendemos ao chamado da forma que pensamos ser mais eficiente. Confiávamos na nossa capacidade, mas hoje vejo que tínhamos uma visão distorcida da capacidade do Estado brasileiro. Mesmo assim, não era possível fugir da situação, pois todo o arcabouço da democracia foi demolido com uma velocidade imensa.

Como o senhor percebeu esse “chamado da história”?


A ditadura colocou isso, pois (o regime militar) dizia o tempo todo que nós não precisávamos tomar decisão, que bastava viver a nossa vida e trabalhar para ter dinheiro, mas não queria a nossa opinião. Quem enfrentasse o poder se daria mal. Então, ou você virava herói ou se acomodava. Porém, é muito difícil explicar por que uns fizeram isso e outros não. (DC)


A QUEDA – RUA ATACARAMBU, 120

. De Antônio Nahas
. Editora Scriptum
. 403 páginas, R$ 60



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