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O humano além do monstro

Trajetória de Pablo Escobar é descrita em livro lançado por seu filho

Horror, violência e traição se misturam à rotina surrealista da família do traficante

Daniel Camargos

O arquiteto Juan Pablo diz que os próprios irmãos de Pablo Escobar articularam a morte do megatraficante - Foto: LUIS ACOSTA/AFP
“A meu pai, que me ensinou o caminho a não ser seguido”, escreve o arquiteto Juan Pablo Escobar na última página de Pablo Escobar – Meu pai (Editora Planeta). O livro narra com riqueza de detalhes a trajetória daquele que provavelmente foi o maior bandido de todos os tempos – superando, em fortunas movimentadas e mortes no currículo, ícones italianos do cinema americano, mafiosos japoneses e russos. A grande virtude do texto de Juan é permitir ao leitor observar um criminoso monstruoso com o olhar muitas vezes envolto da ternura do filho.

Pablo Escobar cometeu atentados terroristas, explodiu ônibus e aviões, executou ministros, candidatos a presidente, juízes e jornalistas. Em assombrosa quantidade, eliminou rivais de seu Cartel de Medellín, principalmente os adversários do Cartel de Cali. A disputa entre os dois grupos instaurou a guerra civil na Colômbia durante a década de 1980 e início dos anos 1990. A violência desmedida do traficante, morto há mais de duas décadas, já foi notícia em todo o mundo e rendeu filmes e livros. Em breve, será tema da série Narcos, do Netflix. Um dos produtores é o cineasta José Padilha (Tropa de Elite, Ônibus 174 e Robocop), que vai dirigir os dois primeiros episódios. Escobar será interpretado pelo brasileiro Wagner Moura.

Porém, o que faz do livro de Juan obra essencial para compreender um dos personagens emblemáticos do século 20 são os momentos de intimidade, quando é possível ver o humano além do monstro. Uma passagem singela, por exemplo, é a estratégia usada por Pablo para o filho abandonar a mamadeira. Os dois estavam nos Estados Unidos e o traficante havia negociado animais para montar um zoológico em uma de suas fazendas na Colômbia. Antes de subir para o quarto de hotel, comprou um balão cheio de gás hélio para o filho. O autor ficou feliz por ver a mamadeira voando, mas se entristeceu quando constatou que ela não voltaria. “Meu filhinho, acho que a mamadeira não vai descer tão rápido, olha como ela está indo para o céu. Já está na hora de você começar a beber no copo, que nem os homens adultos”, disse Pablo.

Os detalhes revelados por Juan sobre o zoológico são saborosíssimos – de tão surreais, poderiam tranquilamente ser o substrato de um capítulo do realismo fantástico do romancista Gabriel García Márquez. Os animais viajaram em aviões fretados para a Fazenda Nápoles. Além de rinocerontes, girafas, elefantes e outros bichos imensos importados via Estados Unidos, Escobar levou do Brasil uma arara-azul de olhos amarelos. Protegida por leis ambientais, a ave foi contrabandeada, viajando sozinha de jatinho para a Colômbia – a operação custou US$ 100 mil.

Da fauna brasileira, Escobar contrabandeou também botos e os instalou em um dos 27 lagos artificiais de sua propriedade. A Fazenda Nápoles tinha posto de gasolina, oficina mecânica, 100 mil árvores frutíferas, a maior pista de motocross da América Latina, um parque com réplicas de dinossauros em escala real, dois heliportos e pista de pouso. Cerca de 1,7 mil funcionários trabalhavam em três mil hectares, 10 casas e três zoológicos.

Juan revela que o pai chegou a comprar três toneladas de cenoura para tentar animar elefantes amuados e alimentou flamingos com camarões por seis meses, na tentativa de recuperar penas cor-de-rosa que desbotavam. Nada funcionou.

VIOLÊNCIA

O livro permite compreender a dimensão da violência provocada pela guerra às drogas, política repressiva encampada pelos Estados Unidos há 40 anos. Em entrevistas, Juan destaca sempre essa dicotomia. “A verdadeira culpada pelo nascimento da figura do meu pai – e dos outros narcotraficantes que vieram depois –, a responsável por toda essa guerra, violência e abusos é a proibição das drogas. A proibição propõe essa divisão, esse enfrentamento até a morte, onde todos lutam por esse elixir que as superpotências demandam todos os dias. E estão dispostas a pagar alto preço por isso. A proibição é uma ideia maquiavélica, que, sem dúvida, está nos prejudicando como sociedade. O contexto proibicionista é um caldo eficaz para que surjam grandes traficantes”, disse o autor ao jornal espanhol El País.

Os EUA, aliás, foram o principal consumidor da cocaína exportada pelo colombiano. Juan lembra uma reportagem da Newsweek, em maio de 1977, mostrando grandes festas de celebridades em Los Angeles e Nova York com cocaína em bandejas de prata, acompanhada de caviar Beluga e champanhe Dom Perignon. Sócio de Pablo, Fidel Castanho contou a ele que um dos principais contatos para vender a droga nos Estados Unidos era o cantor Frank Sinatra.

A venda de drogas levou o colombiano, que chefiou o Cartel de Medellín, a ser apontado como o sétimo homem mais rico do mundo. Juan perguntou várias vezes ao pai o tamanho da fortuna dele. “Um dia, tive tanto dinheiro que perdi a conta. Descobri que era uma máquina de fazer dinheiro, então parei de me preocupar em ficar contando”, ouviu. O autor estima que a fortuna de Pablo poderia somar de US$ 3 bilhões a US$ 25 bilhões.

O livro é aberto com as disputas entre a família e outros traficantes para dividir o espólio de Pablo Escobar. Depois da morte dele, em dezembro de 1993, Juan, a mãe e a irmã tiveram que trocar de identidade e sair do país, mas antes usaram todo o dinheiro e propriedades do pai para quitar dívidas com traficantes. Foi assim que salvaram as próprias cabeças.

A narrativa ganha fôlego no quinto capítulo, quando o autor começa a narrar a trajetória de Pablo Escobar. Aos 15 anos, ele entrou em um cemitério à meia-noite e tirou um crânio de sua tumba. “Ninguém me enxotou de lá, não aconteceu nada comigo. Depois de limpar, pintei a caveira e coloquei em cima da minha escrivaninha para usar como peso de papel”, contou o traficante ao filho.

A carreira no crime começou com a falsificação de diplomas escolares, depois evoluiu para roubo de carros até chegar à cocaína. Em março de 1982, ele foi eleito deputado, o que pode ser considerado um dos principais erros de Pablo, pois jornalistas conseguiram descobrir que ele havia sido preso por tráfico de drogas na década de 1970. Pablo havia subornado policiais e funcionários do Judiciário para apagar os registros, mas só depois de eleito descobriu que o serviço não havia sido benfeito.

“Meu pai ficou extremamente irado, pois seu castelo de cartas havia caído; sentiu-se descoberto, nu; tinha certeza de que o auto judicial havia desaparecido, mas se esquecera de apagar o arquivo do jornal”, destaca Juan. Pablo mandou matar o dono do jornal, assim como o ministro da Justiça que o processou.

A partir desse ponto, os relatos passam a ser banhados de sangue. Ao lutar para mudar a lei da extradição, Pablo criou um grupo, os “extraditáveis”, que explodia aviões e ônibus, valendo-se de todas as formas de terrorismo para aniquilar juízes, políticos, jornalistas e qualquer um que se opusesse à sua vontade. A guerra civil levou-o à morte, em uma articulação de seus inimigos que incluía membros do Cartel de Cali, policiais, políticos, o governo norte-americano e até seus próprios irmãos, como revela Juan.

De pai pra filho

. No aniversário de 9 anos, Pablo deu para o filho uma caixinha com as cartas de amor originais que Manuelita Sáenz escreveu para Simón Bolívar. O menino também recebeu medalhas do Libertador e até uma espada usada por ele

. Aos 11 anos, Juan tinha uma coleção de 30 motos e 30 jet skis

. Os chocolates e convites da primeira comunhão de Juan foram trazidos de jatinho da Suíça

. Duas vezes por semana, um avião levava de Bogotá as flores usadas na cobertura da família em Medellín

. A famosa foto na Casa Branca de Pablo Escobar e Juan foi feita logo depois de um tour na sede do FBI, quando o traficante apresentou passaporte falso e passou pelo rígido sistema de segurança

PABLO ESCOBAR – MEU PAI

. De Juan Pablo Escobar
. Editora Planeta
. 477 páginas, R$ 49,90

 

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