Amor à TERRA

Retrospectiva da obra do artista plástico Manfredo de Souzanetto reúne obras que remetem às cores de Minas Gerais, com seu óxido de ferro. Paisagem ainda está em cartaz em São Paulo

por 13/06/2015 00:13
Luciano Mattos Bogado/divulgação
Luciano Mattos Bogado/divulgação (foto: Luciano Mattos Bogado/divulgação)
Antonio Gonçalves Filho



Manfredo de Souzanetto é prontamente identificado como um dos artistas mais independentes desde sua primeira individual realizada em Belo Horizonte, em 1974. Então estudante de arquitetura, ganhou uma bolsa para estudar em Paris, onde descobriu a arte dos construtivistas russos e dos pintores abstratos norte-americanos. Esse primeiro olhar deu um norte para a produção artística do pintor, escultor, desenhista e gravador mineiro, nascido há 68 anos em uma fazenda do Vale do Jequitinhonha. Muita coisa mudou nesses 40 anos de carreira, mas não sua filiação à vertente construtiva – e seu amor por Minas, claro.

Veio o reconhecimento internacional com exposições na Alemanha, EUA, França e, mais recentemente, na Suíça, despertando nos críticos a vontade de comparar Manfredo aos históricos concretos. Aliás, um crítico local, Laurent Wolf, ao comentar sua mostra individual realizada há dois anos na Fundação Basileia de Bâle, Suíça, lembrou que ela não foi obra do acaso. Bâle, distante 10 mil quilômetros do Brasil, foi a região que testemunhou o nascimento da arte do escultor Max Bill – a primeira exposição de arte concreta foi organizada por ele lá. Educado pela arte construtiva, o formalismo e o rigor gráfico, Wolf ficou impressionado com a habilidade de Manfredo em seguir essa tradição sem abdicar da paisagem mineira, marco zero de uma pintura que, no passado, chamou a atenção de poetas como Carlos Drummond de Andrade já na primeira individual carioca do pintor, em 1975.

Paisagem ainda é o nome da retrospectiva de Manfredo, em cartaz na Galeria Bergamin, em São Paulo. Estão reunidas obras que representam as montanhas de Minas não por meio de uma figuração evocativa, mas pela presença concreta de pigmentos naturais obtidos de amostras coletadas na terra natal do artista. Para citar mais uma vez o suíço Laurent Wolf, essa forma artesanal de preparar as cores, retornando ao modo arcaico de fabricação da tinta, aproximou o brasileiro dos pintores do Quattrocento italiano com seus ocres e cores rebaixadas, que em tudo representaram um contraponto ao delírio cromático predominante na arte brasileira quando o mineiro começou sua carreira.




NEOCONCRETO

Vale lembrar que Manfredo surge num cenário dominado pela arte conceitual (anos 1970), ignora a onda neoexpressionista dos anos 1980 e se mantém fiel à arte dos neoconcretos, o que fica evidente quando se veem trabalhos da série Forquilhas, em que o suporte, rompendo com a ortogonalidade da tela, funde-se com a pintura. Matéria e cor, estrutura e pigmentos, tudo se mistura nessa obra amalgamada que torna inseparável natureza e arte, repetindo o gesto ancestral de imprimir a marca do homem à rocha.

No trabalho de Manfredo, a forma recortada “acentua a materialidade do quadro, pois o suporte não é mais um retângulo ou quadrado neutro em que a pintura acontece, e sim um elemento ativo que amplia sua significação”, observa o próprio artista. De fato, é inegável a filiação de Manfredo aos objetos ativos criados em 1959 por outro mineiro, o neoconcreto Willys de Castro, e marcados pela negação da natureza planar da pintura, transformada num objeto tridimensional à medida que o espectador se move diante da obra.

Talvez não seja demais lembrar que o purismo de Manfredo encontra correspondência tanto na escultura de Amilcar de Castro quanto nas pinturas minimalistas de Ellsworth Kelly, que usou igualmente telas de formatos irregulares. No entanto, as peças organométricas do mineiro, que passam do orgânico ao geométrico, conservam uma ligação sentimental com as cores da terra, o óxido de ferro e as pedras trituradas que Manfredo vai recolhendo pelo caminho. A volta às telas ortogonais, agora, não significa nostalgia, mas um passo adiante para a liberdade formal. (Estadão Conteúdo)



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De Jacinto a Paris

Nascido em 1947 em Jacinto, no Vale do Jequitinhonha, Manfredo de Souzanetto começou a estudar desenho aos 16 anos. Em 1969, já em Belo Horizonte, ingressou na Escola Guignard. Posteriormente, ingressou na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Em 1974, graças aos trabalhos que exibiu no 5º Salão de Arte Universitária de BH, ganhou bolsa para estudar em Paris, onde morou de 1975 a 1979. O mineiro frequentou a École Nationale Louis Lumière, onde estudou fotografia, e a École Nationale Supérieure des Beaux Arts. Na França, descobriu a pintura abstrata americana e o construtivismo russo. De volta ao Brasil em 1980, passou a trabalhar no Rio de Janeiro. (Enciclopédia Itaú Cultural)

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