Hora de agir

Suicídios lideram o ranking das mortes violentas no planeta. O novo livro do jornalista André Trigueiro defende fim do pacto do silêncio que alimenta o tabu do autoextermínio

por 06/06/2015 00:13
Luke MacGregor/Reuters
Luke MacGregor/Reuters (foto: Luke MacGregor/Reuters)
Ângela Faria



O jornalista André Trigueiro teve a coragem de desafiar um tabu: vir a público falar sobre suicídio. É fato: mídia, autoridades e especialistas em saúde pública evitam o tema, receosos de estimular o autoextermínio ao dar ênfase à dimensão em que ele ocorre em nossa sociedade. O temor não é infundado: no século 18, jovens desiludidos com o amor seguiram o caminho do suicida Werther, personagem romântico criado pelo escritor alemão Johan W. von Goethe. Em 1962, logo depois da morte de Marilyn Monroe, houve aumento de casos de suicídio acima da média histórica norte-americana, embora o motivo da tragédia permaneça misterioso até hoje. Mais mistério ainda cercou o holandês Vincent van Gogh, morto aos 37 anos, em 1890, depois de agonizar por conta de um tiro. Recentemente, pesquisadores causaram furor ao defender a tese de que o pintor dos girassóis foi assassinado. Pouco adiantou: o estigma acompanha o deprimido, atormentado e genial Van Gogh.

Perplexidade, dor, culpa e muito silêncio costumam cercar os casos de suicídio com que nos deparamos no dia a dia. Certa aura de glamour também – Romeu e Julieta, de Shakespeare, é um clássico desde o século 16. Cultiva-se o fascínio em torno da valentia de samurais japoneses que praticavam haraquiri em nome da honra, e dos monges que se autoimolam com fogo para defender a independência do Tibete. Porém, no livro Viver é a melhor opção (Editora Correio Fraterno), André Trigueiro convoca a sociedade a encarar um drama que passa longe de glamour ou do imaginário romântico. Em 2012, 804 mil pessoas se suicidaram no planeta, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que representa 1,4% de todas as mortes na Terra. O autoextermínio lidera o ranking das mortes violentas – representa 56% delas. Resumindo: suicídios superam assassinatos e falecimentos em decorrência de conflitos armados.

Trigueiro alerta para a necessidade urgente de conscientização sobre o gigantesco problema do autoextermínio, chamando a atenção para um paradoxo: enquanto homicídios, violência e guerras mobilizam o mundo e são discutidos à exaustão, a lei do silêncio em escala planetária perpetua o tabu do suicídio, embora vários países até tenham adotado planos e políticas voltados para o autoextermínio. O autor argumenta que não escreveu um livro de autoajuda, pondera que estudou o tema por décadas e está convicto de que a prevenção é o caminho para reverter a marcha das estatísticas. Para ele, suicídio é um problema de saúde pública. Ponto. E exige políticas de prevenção, assim como ocorre nos casos de câncer, Aids ou distúrbios cardíacos.

MAPA

O Brasil registra 5,8 mortes por suicídio a cada 100 mil habitantes, média bem inferior à mundial (11,4 por 100 mil). Porém, isso não nos dá alívio. Em 2012, éramos o oitavo país do ranking planetário, com 11.821 óbitos por autoextermínio (32 suicídios por dia) – a Aids matou 11.896 pessoas no mesmo período. O Mapa da violência 2014 – Os jovens do Brasil mostra que a taxa brasileira de suicídios, entre 2002 e 2012, cresceu 33,6%, superando o aumento de homicídios (2,1%) e o de mortos em acidentes de trânsito (24,5%). Naqueles 10 anos, o aumento de suicídios se deu com maior intensidade da Região Norte (77,7%), seguida do Nordeste (51,7%), Sudeste (35,8%), Centro-Oeste (16,3%) e Sul (15,2%).

Em números relativos, o autoextermínio apresentou maior crescimento na Paraíba (142,9%), Amazonas (131,3%) e Bahia (104,3%) entre 2002 e 2012. Em termos absolutos, o ranking de suicídios durante esse período foi liderado por São Paulo, o estado mais populoso (19.635 ocorrências), seguido pelo Rio Grande do Sul (quinto estado em população, com 11.977 casos) e Ceará (oitavo em população, com 5.479).

Nas páginas iniciais de seu livro, Trigueiro apresenta números estarrecedores, sobretudo quando nos damos conta de nossa ignorância em relação à gravidade do problema. Percebemos, então, que aqueles casos de que ouvimos falar ou de gente conhecida que se matou não são excepcionalidades, “pontos fora da curva”, mas sintomas de algo que exige providências.

JOVENS

Ano passado, a revista Galileu publicou um dossiê sobre o suicídio no Brasil. De acordo com a reportagem, a taxa de autoextermínio entre adolescentes de 10 a 14 anos aumentou 40% na última década; entre jovens de 15 a 19 anos, o aumento foi de 33%.

André Trigueiro contesta a tese de que o suicida age de acordo com seu próprio desejo e no exercício pleno de sua autonomia, sem que seja possível impedi-lo. Citando estudo do especialista brasileiro José Manoel Bertolote e da pesquisadora suíça Alexandra Fleischmann, relativo a suicídios registrados de 1959 a 2001 em vários países, o jornalista informa que 35,8% das pessoas que deram fim à vida sofriam de transtornos de humor, 22,4% apresentavam transtornos ligados ao uso de substâncias, 11,6% conviviam com transtornos de personalidade, 10,6% eram esquizofrênicas, 6,1% registravam transtorno de ansiedade e 3,6% sofriam de transtornos de adaptação. De acordo com essa pesquisa, 90% dos casos estavam associados a patologias de ordem mental – diagnosticáveis e passíveis de tratamento, portanto.

De acordo com o autor de Viver é a melhor opção, o estudo de Bertolote e Fleischmann mostra, cientificamente, que a maioria dos casos de suicídio é prevenível. “É a ciência derrubando a falsa premissa – amplamente disseminada – de que não há nada a fazer quando alguém deseja se matar”, enfatiza André Trigueiro. O jornalista dedica capítulos a fatores de risco e a medidas preventivas que podem ser adotadas. Aponta como providências fundamentais tratar a depressão; estar atento ao uso abusivo de drogas e bebidas alcoólicas; dar atenção aos idosos (as taxas mundiais mais altas de autoextermínio estão entre maiores de 70 anos); e cuidar dos jovens (na faixa de 15 a 29 anos, o suicídio responde por 8,5% das mortes no planeta: é a segunda causa de óbitos, depois dos acidentes de trânsito).

Entre as medidas preventivas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), estão a restrição ao acesso às armas de fogo; a retirada de pesticidas problemáticos do mercado (no Sul do Brasil, esse produto está associado à taxa de suicídios tanto por ingestão de veneno quanto pela contaminação, que atinge o sistema nervoso e provoca depressão); e a restrição a remédios e gases tóxicos (na Inglaterra, a mudança da composição do gás de cozinha teve impacto sobre as taxas de autoextermínio). Sugere-se também a instalação de redes de proteção em pontes e arranha-céus. Trigueiro destaca a importância do trabalho de especialistas, os suicidólogos, e de entidades como o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferecem escuta capacitada a potenciais suicidas.

ESPIRITISMO

Das 190 páginas do livro, 143 trazem um didático e abrangente painel sobre o autoextermínio e políticas preventivas. Adepto do espiritismo, André Trigueiro dedica 44 páginas à abordagem do suicídio de acordo com os parâmetros da religião que abraçou. “Não se trata de obra proselitista”, afirma o jornalista, alegando que sua doutrina, “possivelmente, reúne o maior estoque de informações a respeito da realidade do suicida no mundo espiritual”.

André adotou o seu, digamos, “dogma” – e o assume explicitamente. Certamente, seu livro ofereceria visão mais abrangente se dedicasse espaço também às visões budista, católica, judaica ou protestante a respeito do suicídio. Em sua página na internet, o teólogo católico Leonardo Boff, por exemplo, cobriu o livro de Trigueiro de elogios. Seria bacana ler um bate-papo desses dois humanistas sobre o tema. Mais interessante ainda se a monja Cohen, budista e jornalista, participasse da conversa.

Viver é a melhor opção é um livro útil, oportuno e esclarecedor, mesmo para quem não comunga das ideias de Allan Kardec e nem acredita em umbral e perispírito. Repórter calejado de TV, especialista em meio ambiente e professor de jornalismo da PUC Rio, André Trigueiro mostra que a informação é fundamental para enfrentar esse “mal dos séculos”. Que a ciência, Jesus, Kardec, Buda, Shiva e Oxalá nos ajudem a compreender aqueles que nos deixaram antes que pudéssemos decifrá-los.

VIVER É A MELHOR OPÇÃO

A prevenção do suicídio no Brasil e no mundo

. De André Trigueiro
. Editora Correio Fraterno
. 190 páginas, R$ 28,50
. Toda a renda obtida com direitos autorais será destinada ao Centro de Valorização da Vida (CVV)

ANDRÉ EM BH




Dia 12, sexta-feira, o jornalista André Trigueiro (foto) vai participar do projeto Sempre um papo, em BH. Ele autografa Viver é a melhor opção e conversa com o público na Sala de Eventos do Hospital Mater Dei, Avenida do Contorno, 900, 2º andar, Bairro Santo Agostinho. Informações: (31) 3261-1501.

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