Para gostar de ouvir

por 06/06/2015 00:13
BORIS HORVAT/AFP
BORIS HORVAT/AFP (foto: BORIS HORVAT/AFP )
Irineu Franco Perpétuo



O mundo do canto lírico passou por uma notável revitalização nos últimos anos, e o público que vem acorrendo em peso às montagens do gênero agora conta com uma substancial obra de referência para consultar: Uma história da ópera, de Carolyn Abbate e Roger Parker.

A bibliografia em português sobre música erudita disponível comercialmente não pode ser acusada de superabundante e, no caso específico da ópera, o que mais se encontra são guias – de indiscutível utilidade. Faltava, porém, um livro como esse, que arriscasse uma visão totalizante do gênero, dos primórdios à atualidade, em um único volume, e pudesse servir tanto ao “leigo” quanto ao especialista.

Abbate e Parker não precisam se refugiar em um matagal de termos técnicos para comprovar seu conhecimento de causa nem deixar de aprofundar o conteúdo do texto por medo de afugentar o público não especializado. A dupla consegue mesclar referências ao contexto histórico e cultural das obras a uma análise formal solidamente embasada. A leitura em nossa língua só não é mais prazerosa devido a maneirismos, anglicismos e imprecisões de uma tradução que traz as marcas da pressa, e que teria se beneficiado enormemente de uma revisão técnica feita por alguém minimamente familiarizado com o tema.

O que torna o livro especialmente pertinente é, desde a introdução, abordar uma das questões mais prementes da ópera hoje: sua relação com o passado e o futuro. Os autores notam que, se durante séculos ópera foi sinônimo de música contemporânea, a partir do século 20, especialmente, o repertório tem se renovado mais “para trás”, com a redescoberta de compositores e títulos negligenciados do passado do que com obras novas. Sim, os teatros seguem encomendando e encenando títulos contemporâneos, porém, a partir de, pelo menos, 1945, estes têm muita dificuldade de encontrar seu lugar no repertório estável – a primeira montagem é, com frequência, a última.

Os autores não hesitam em afirmar que o aspecto “museológico” das casas de ópera é responsável por isso e que a força dos títulos do passado vem contribuindo para asfixiar o presente e dificultar o futuro da criação operística. A conclusão do livro, porém, passa longe do pessimismo. Os autores festejam a longevidade da ópera, “incomum para um gênero musical”, atribuindo-a à sua capacidade de “articular algumas das complexidades da experiência humana de modo que nenhuma outra forma de arte pode emular”. (Folhapress)



UMA HISTÓRIA DA ÓPERA

. De Carolyn Abbate e Roger Parker
. Companhia das Letras
. 656 páginas, R$ 74,90

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