Muitas histórias para contar

Henry Jaglom publica as longas conversas que teve com Orson Welles. Maledicente com quase todo mundo, Welles só é carinhoso com a ex-mulher, Rita Hayworth

por 23/05/2015 00:13
Picador/Divulgação
Picador/Divulgação (foto: Picador/Divulgação)
Luiz Carlos Merten



Entre 1983 e 1985, Orson Welles encontrou-se regularmente com Henry Jaglom, que ficara seu amigo, para almoçar – e conversar sobre... tudo. Esses diálogos foram editados por Peter Biskind e resultaram num livro visceral: My lunches with Orson (Editora Picador). No que virou o último diálogo entre ambos, Welles conta uma história sobre como Verdi, o compositor italiano, não conseguia mais produzir nada de valioso no fim da vida. Um dia, contaram-lhe que Wagner havia morrido e ele se lançou numa atividade febril, produzindo verdadeiras obras-primas.

Na época, o próprio Welles não conseguia fazer mais nada. Jaglom pergunta: Quem seria seu Wagner? Quem teria de morrer para ele voltar a produzir? Welles diz que não ia responder a uma pergunta dessas. Foi seu último encontro. Ele morreu cinco dias depois, em 10 de outubro de 1985. Completam-se neste ano o centenário do nascimento de Orson Welles – mais precisamente no último dia 6 – e os 30 anos de sua morte. Welles tinha 70 anos, mas parecia ter muito mais. Tinha projetos, mas não produtores. Desdenhava dos “amigos”. Dizia que havia prejudicado tanta gente que agora o mundo lhe retribuía. Mas mantinha-se lúcido, e ferino.

A leitura de Meus almoços com Orson – Diálogos entre Orson Welles e Henry Jaglom lança nova luz sobre a personalidade do diretor de Cidadão Kane. Welles não tinha papas na língua. Seus comentários são mordazes, e ele tem sempre uma fofoca para contar. Confessa que nunca se interessou muito pela mídia de cinema. Gostava de fazer filmes, isso sim. Jaglom passa o livro tentando conter os arroubos de Orson. No primeiro diálogo, Orson diz que não vai apertar a mão de Jaglom, nem de ninguém, com medo de morrer de Aids. Jaglom o acusa de preconceito. Ele diz que não seria humano se não fosse preconceituoso.

Welles tem sempre um comentário para fazer – sobre FBI, Churchill, Roosevelt, Chaplin, Marlene Dietrich, Laurence Olivier, David Selznick, Rita Hayworth. Ele esclarece pontos essenciais – dá sua versão do episódio de It’s all true e da montagem de Soberba. Repete que Greg Tolland era o maior diretor de fotografia do mundo, mas foi ele, Welles, quem iluminou Cidadão Kane. Garante que seu roteiro era melhor que o de Herman Mankiewicz e desmente que tenha sido o diretor nos bastidores de O terceiro homem. Na verdade, tem muito respeito por Carol Reed.

Maledicente com quase todo mundo – despreza Hitchcock; o que diria se soubesse que Vertigo/Um corpo que cai iria desbancar Cidadão Kane como melhor filme de todos os tempos? –, só é carinhoso com a ex-mulher, Rita. Conta como certa vez ele já estava ligado a Paola Mori e Rita o chamou, em Hollywood. Ele atravessou o Atlântico – estava na Itália – e ela o esperava de négligé, na porta do quarto. Ele disse não. Ela lhe pediu que pelo menos lhe pegasse a mão, para ela dormir. Você pode imaginar a cena? A mulher mais desejada do mundo?

MAIS SOBRE PENSAR