Al Pacino fez o chefão 2 e 3, foi o Scarface de Brian De Palma. Do outro lado da lei, foi o Serpico de Sidney Lumet e, para o diretor, protagonizou o Sonny Wortzik de Um dia de cão, com seu plano maluco de assaltar um banco para financiar a operação de mudança de sexo do amante. Diversas vezes indicado ao Oscar, ganhou a estatueta pelo cego Frank Slade de Perfume de mulher, de Martin Brest. Em 1995, dirigiu o documentário Looking for Richard, sobre o processo de adaptar Ricardo III, de Shakespeare
Al Pacino não é só um ator, nem um astro. É um ícone. Filho de ítalo-americanos, Salvatore e Rose, é curioso que a família da mãe tenha vindo de uma cidadezinha italiana... Corleone. “Estava escrito”, ele disse, certa vez. Al Pacino está de volta, a partir desta quinta-feira, e com a direção de Barry Levinson. Investigam o universo do teatro em O último ato. O filme baseia-se no livro de Philip Roth. Pacino faz um ator que surtou no palco, foi parar numa clínica psiquiátrica – fazendo terapia via Skype – e agora tenta o retorno. Existem casos similares na história do cinema.
Para o leitor do livro de Roth, o choque será imenso. Agora mesmo estão em cartaz outras adaptações, e de livros de prestígio. Glendon Swarthout ganhou todos os prêmios importantes da literatura de western com seu Dívida de honra. O ator e diretor Tommy Lee Jones fez uma adaptação fiel, ao espírito e à letra, do livro. Reproduz cenas inteiras, os diálogos. Paul Thomas Anderson, a despeito das liberdades que possa ter tomado em Vício inerente, não é menos fiel à visão do escritor Thomas Pynchon sobre a América dos bichos-grilos.
A impressão é de que Pacino comprou os direitos para dispor do sonoro nome do personagem – Simon Axler – e, talvez, do conceito, mas nem isso. Até as referências teatrais são outras. No livro, Simon prepara-se para um ato importante encenando, para si mesmo, em casa, A gaivota, de Chekhov. No filme, ele realmente encena Shakespeare e Rei Lear. Ambas as peças tratam da finitude e da morte, mas uma, a de Chekhov, é intimista, quase um sussurro. A outra é Shakespeare, som e fúria.
Crítica aos EUA
Eterno candidato ao Nobel de Literatura, Philip Roth é um escritor extremamente crítico da vida americana – Pastoral americana, Complexo de Portnoy, Complô contra a América. Com o tempo, tornou-se mais amargo e irônico. Homem comum e Fantasma sai de cena abordam a mortalidade, Indignação vale-se do acaso para retratar a juventude. Sob certos aspectos, A humilhação parece uma súmula do escritor. Nada é muito fiel e, no filme, tudo obedece a uma nova dinâmica. Que dinâmica? Pois uma das críticas que se pode fazer a O último ato é que o filme começa chato – mesmo que esse não seja um critério de avaliação defensável – e segue arrastado até, finalmente, deslanchar.
Lá estão as personagens secundárias que cruzam o caminho de Simon. Pegeen é filha de uma atriz com quem ele atuou, no passado. A garota é lésbica assumida, mas aos 8 anos teve uma paixonite pelo já maduro (40 anos) Simon. Envolvem-se e, lá pelas tantas, ressurge a mãe para levantar a possibilidade de incesto. Pegeen será filha de Simon?
Não é a única alucinação do atormentado herói, que necessita da arte para viver a vida. Simon incorpora suas falas do palco. De repente, nem ele mais sabe o que está dizendo. O começo oferece um de seus típicos momentos de falta de clareza – mas ele não sofre de Alzheimer. Simon sai do camarim, atendendo ao chamado da produção, mas se perde nos labirintos do teatro e vai parar na rua com o figurino da peça.
O filme de Barry Levinson passou em Veneza, em setembro passado. Lá também estava o Birdman de Alejandro González-Iñárritu, que tem uma cena similar, mas, no filme do mexicano, o ator (Michael Keaton) terminava andando de cueca na rua, lembram-se?
O fantasma da decadência assombra o herói, empurra-o para uma autoanulação definida como “inexplicável e apavorante” na orelha do livro. Com todas as qualidades que possa ter, um dos problemas de O último ato é que Barry Levinson, diretor de Quando os jovens se tornam adultos, O enigma da pirâmide e Rain man – que lhe valeu o Oscar –, não resiste a psicologizar a crise de Simon. Levinson busca e oferece explicações que o filme não requer, daí os imbróglios que criam nós górdios na narrativa.
Algumas subtramas são interessantes – a paciente da clínica que confunde ator e personagem, e tendo visto Simon como assassino na ficção, quer que ele a ajude a matar seu marido, que ela descobriu ser o molestador da filha –, o desenvolvimento dessa trama, por sinal, é um dos que mais afastam o filme do livro, mas essa, literalmente, é outra história. E, há, claro, a ligação de Simon e Pegeen, interpretada por Greta Gerwig.
Assim como Al Pacino é um grande de Hollywood – do cinemão –, Greta virou referência da produção indie dos Estados Unidos interpretando e escrevendo (com o diretor Noah Baumach) o cultuado Frances Ha. Pegeen, por ser jovem, aumenta o desequilíbrio da vida de Simon. Ela entra como um componente de risco, e esse é um agravante das crise de Simon, porque ele era controlado – na arte e na vida – e perdeu o controle sobre ambas.
Alguns diálogos de Simon e Pegeen são desencontrados, mas bons, ou são bons porque desencontrados e, nesse sentido, acentuam as diferenças. A cena em que Pegeen convida a ex para jantar com Simon e ela é exemplar. Ela/ele não consegue aceitar que Pegeen a tenha “trocado” por esse velho. Seria cômico se, no mais das vezes, não fosse trágico.
Uma situação fora de controle
“Ele perdera a magia” – foi a partir dessa frase que Philip Roth (foto) começou a escrever o romance The humbling, publicado no Brasil pela Companhia das Letras (editora de toda a sua obra) como A humilhação. “Eu gosto de declarar o que está em jogo logo no começo de um livro. Então, ‘ele perdera a magia’ é uma grande declaração. E se torna necessário, ao longo do livro, justificá-la”, disse Roth em entrevista, em 2010.
O livro se encaixa em um ciclo de romances curtos com temas comuns – começa com Homem comum (doença e mortalidade), passa por Indignação (indignação e guerra) e A humilhação (situação fora do controle) e termina com Nemesis (epidemia de pólio em 1944).
Para entender Roth
Adeus, Columbus
Complô contra a América
O complexo de Portnoy
Teatro de Sabath
O avesso da vida
Professor de desejo
Diário de uma ilusão
Todo-o-mundo
Casei com um comunista
Pastoral americana
A mancha humana
O animal moribundo
Homem comum
Fantasma sai de cena
Indignação
Patrimônio
A humilhação
Roth libertado