Amanda Palmer lança livro sobre crowdfunding e luta contra indústria fonográfica

Em 'A arte de pedir', musa indie conta como reuniu US$ 1,2 milhão doados por fãs para lançar seu primeiro disco distante das regras da gravadora

por Mariana Peixoto 18/04/2015 00:13

Kambriel/Divulgação
''Pedir é, em si, o elemento fundamental de qualquer relação'', escreve artista que bateu o recorde de maior arrecadação em plataforma de financiamento coletivo pela internet (foto: Kambriel/Divulgação)
Existe uma obsessão pela questão errada: Como fazer com que as pessoas paguem pela música. Em vez disso, por que não começam a se perguntar: Como deixar que as pessoas paguem pela música?”

 

Em fevereiro de 2013, a cantora, compositora e pianista norte-americana Amanda Palmer participou da conferência mundial TED (Tecnologia, Entretenimento, Design) com a palestra “A arte de pedir”. O encontro com o público terminou justamente com o questionamento acima, algo que ela pode discorrer como ninguém.

 

Veja o clipe de 'Do it with a rockstar', faixa do álbum produzido via crowdfunding:

 

Pertence a Amanda Palmer o recorde de arrecadação de um projeto pessoal na história do crowdfunding: em 2012, ela arrecadou, por meio da plataforma de financiamento coletivo Kickstarter, US$ 1,2 milhão para a produção do álbum 'Theatre is evil'. Vinte e cinco mil pessoas contribuíram com o projeto, que tinha como objetivo arrecadar US$ 100 mil.
Sua participação no TED Talk também foi muito além das expectativas. A palestra de 13 minutos, em que apresentou os pontos mais importantes de sua trajetória, já alcançou mais de oito milhões de visualizações no site da conferência e no YouTube.

A partir dessa experiência ela escreveu 'A arte de pedir – Ou como aprendi a não me preocupar mais e a deixar as pessoas ajudarem'. O livro mistura memórias com reflexão sobre o fazer artístico fora dos padrões. Publicado em novembro nos Estados Unidos, chega ao Brasil em edição da Intrínseca.

“Pedir é, em si, o elemento fundamental de qualquer relação”, escreve ela na parte inicial do livro. Amanda Palmer só conseguiu atingir tamanha cumplicidade com seu público porque essa relação de mão dupla está na base de sua carreira artística. Muito antes da internet.
 Strangelfreak/Luis Pedro de Castro
De performance nas ruas aos palcos com Dresden Dolls, Amanda Palmer sempre foi uma artista entregue ao contato com o público; na foto, ela oferece o corpo nu para autógrafos dos próprios fãs (foto: Strangelfreak/Luis Pedro de Castro )
Polêmicas

Nascida em Nova York mas criada em Boston, Amanda Palmer, que completa 39 anos em 30 de abril, começou sua carreira como estátua viva. Durante cinco anos encarnou a “Noiva de dois metros e meio” na Harvard Square, em Boston – além do vestido branco, pintava o rosto da mesma cor e ficava em cima de caixas de leite. Conseguia em média US$ 100 por dia. Cada doador recebia uma flor da personagem, num ato de conexão com seu público, de acordo com ela.

Estudou arte na universidade, deixou a rua para tentar a carreira como musicista e nesse meio tempo fez uma série de outras atividades, incluindo striptease. Formou o duo de cabaré punk The Dresden Dolls e com o fim da banda começou carreira solo, sempre acompanhada de diferentes formações.

Amanda Palmer usa a internet como ferramenta de divulgação de sua arte desde sempre. No início da carreira como musicista, pegava e-mails dos fãs nos shows para que eles participassem de seus fóruns de discussão. Depois vieram site, blog, redes sociais. Seus seguidores no Twitter – pouco mais de um milhão de pessoas – a acompanham assiduamente, seja tomando café ou anunciando sua gravidez. Espera para setembro seu primeiro filho com o marido, Neil Gaiman, um dos papas das graphic novels.

Mas não é só. Foi pelas redes sociais que Amanda Palmer afirmou seu descontentamento com a indústria fonográfica – sim, ela já atuou nos meios convencionais, no caso a gravadora Roadrunner. O ativismo on-line acabou forçando seu desligamento da gravadora. O divórcio resultou na gravação do álbum produzido com financiamento coletivo.

Foi também pelo Twitter que ela conseguiu, com pouco dinheiro, empreender extensa turnê pela Austrália. Ficava hospedada em casa de fãs, que lhe cediam uma cama, um banheiro e café da manhã. Fez isso ainda nos EUA e na Europa. A conexão com o público chegou a tal ponto que em um show, ela, nua, teve o corpo autografado por quem estava na plateia.

Feminista, bissexual, também já foi centro de muita polêmica. A canção 'Oasis' (2007) falava de uma garota que foi estuprada e fez um aborto, mas que no fundo não ligava para o que havia ocorrido porque a banda Oasis havia respondido a um e-mail dela.

 

'The killing type' também é faixa do álbum 'Theatre is evil':

 

Depois de arrecadar US$ 1,2 milhão, Amanda Palmer lançou outra campanha on-line pedindo músicos para a acompanharem numa turnê. O pagamento? Abraços e cerveja. Dias após o atentado na maratona de Boston, ela postou 'A poem for Dzhokhar', dedicado ao mais novo dos irmãos Tsarnaev, que plantaram as duas bombas que, em abril de 2013, mataram três pessoas e feriram centenas.

As boas e más experiências são retratadas com extrema franqueza, leveza e humor pela autora. Densa e verborrágica, ela discorre por sua trajetória em pílulas que, aparentemente desconexas, vão se costurando ao longo da narrativa, formando um retrato interessante de uma artista fora de qualquer convenção.

 

Intrinseca/Divulgação
(foto: Intrinseca/Divulgação)
Trecho
“A página das mensagens de ódio se tornou o local mais visitado do nosso site. O povo começou a escrever para me agradecer pela coragem de mostrar a sordidez. Mas não me parecia coragem – parecia a única opção, a única maneira de conseguir lidar com a mágoa. Até hoje continuo praticando esse estilo de jiu-jítsu internético: pego o ódio, ventilo, tento rir dele e devolvo ao mundo, para que não me devore viva. Mais ou menos na mesma época em que criamos a página das mensagens de ódio, comecei a blogar com regularidade, compartilhando as notícias boas e ruins da imprensa, com as minhas lutas emocionais na montanha-russa do elogio e da crítica, SOU AMADA! SOU ODIADA!, procurando ao mesmo tempo equilibrar as turnês, as gravações, o gerenciamento da banda e os ocasionais fragmentos de vida social que sobravam. Eu começava a aprender o que era o bullying da internet, porém, quando começaram a seguir meu blog às centenas, e depois aos milhares, também provei pela primeira vez a força da multidão e como ela era uma faca de dois gumes.”

'A arte de pedir'
>> De Amanda Palmer
>> Editoria Intrínseca
>> 304 páginas, R$ 34,90 (impresso) e R$ 19,90 (e-book).

 

QUATRO PERGUNTAS: Amanda Palmer, cantora, compositora e pianista

 

Não se escrevem mais do que 140 caracteres por vez no Twitter. Como foi para você, uma usuária frenética do Twitter, a experiência de escrever um livro?
Escrever um livro, devo dizer, é uma maneira muito solitária de fazer arte, tanto que não me fez querer largar a música. Na verdade, para tudo há prós e contras. É um processo entediante se comparado ao que estou fazendo agora. Atualmente, estou em turnê, me encontrando com mil pessoas a cada noite. O que é algo concreto e demanda muita atenção. Por outro lado, o maravilhoso de escrever um livro é que você tem um grau de controle enorme, algo que nunca tinha tido antes. As pessoas podem discuti-lo, gostar dele ou odiá-lo, mas o livro existe por ele mesmo, nada vai mudá-lo. E com a experiência de 15 anos escrevendo na internet, isso é muito libertador. Ter controle total, ficar na sua pensando o que você vai dizer sem ninguém mais envolvido é um grau de liberdade que a solidão e o tédio são um pequeno preço a pagar.

Divulgação
(foto: Divulgação)
A internet foi essencial para que seu trabalho fosse conhecido no mundo inteiro. Mas você já era artista antes de ela existir. Sua arte mudou por causa da internet?
Mudou uma série de coisas, principalmente a maneira como me comunico com meu público. E mudou também a forma como meu público dá retorno ao que faço. Posso te dar um exemplo simples e concreto: há seis anos fiz em Los Angeles um cover de um artista chamado Momus (músico escocês). Era uma pequena canção divertida (I want you, but I don’t need you) que eu teria tocado uma única vez na vida. Mas havia alguém na plateia que gravou a canção e colocou um clipe no YouTube. Meus fãs adoraram a música, que foi visualizada quase um milhão de vezes. Porque isso ocorreu, resolvi incluí-la no repertório dos meus shows. Não fosse o YouTube, isso nunca teria acontecido, a canção teria vivido naquela única noite.

O público é parte do seu trabalho como artista. Existe arte sem público?
Acho que existem muitas pessoas que produzem um trabalho pessoal, terapêutico, que ninguém nunca vai ver. Isso não significa que não seja arte. Também faço coisas bem diferentes, como desenhos e um diário que mantenho somente para mim. Isso me deixa muito feliz por poder fazer o que quiser, poder ser estúpida o quanto queira. Essas coisas nunca serão vistas por qualquer tipo de plateia. Mas adoro a parte em que um ser humano se conecta com outro. Para mim essa é a razão de a arte existir. Toda vez que vejo que uma música, uma performance, este trabalho no fundo conecta as pessoas. E serve ainda para conectar o artista com si próprio.

Você acredita que um artista independente pode sobreviver no mundo atual sem fazer uso de redes sociais?
Absolutamente. Conheço uma série deles que não fazem uso e são bem-sucedidos. Mas eles geralmente têm algum tipo de ajuda. Hoje em dia, para um artista que não faça uso da internet, que não quer se comunicar com seu público, as chances de que tenha alguém fazendo isso por ele são grandes. Essa é a beleza da internet, pois há uma multidão jogando muita energia para você. E mesmo se você for um artista realmente introvertido, se sua arte for fantástica, o sistema vai funcionar para você. Haverá certamente pessoas atuando como amplificadoras em seu nome. Ou então o artista poderá simplesmente contratar alguém que faça isso por ele.

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