Acordes, missivas e surpresas

Em Caro Lalá Um romance, autor parte de episódio real de Lamartine Babo em Boa Esperança para construir narrativa ficcional

por 18/04/2015 00:13
Arquivo pessoal
Arquivo pessoal (foto: Arquivo pessoal)
André di Bernardi

O mineiro Juarez Moreira acaba de lançar Caro Lalá – Um romance, uma canção. A partir de uma simples carta de uma personagem misteriosa, Nair, o autor tece uma trama envolvente, contando uma história que tem protagonistas especiais, entre eles Lamartine Babo. Juarez mostra as aventuras e desventuras do compositor e o seu périplo pelo interior de Minas Gerais. O autor descreve, assim, como ressaltou o advogado Décio Freire no prefácio, “os meandros e o contexto histórico da elaboração de um dos mais belos sambas-canção da música brasileira”, a famosa Serra da Boa Esperança. O romance, que ganhou ilustrações de Vitor Borges, elucida os mistérios que envolveram a criação da imortal canção.


Dessa forma, o leitor acompanha uma insólita viagem, cheia da percalços e aventuras. O escritor mostra o itinerário do músico, que passa pelas cidades de Cruzeiro, São Lourenço e Três Pontas, até o destino, Dores da Boa Esperança, atrás de Nair, autora de belos textos enviados para Lamartine. “O meu desafio, no livro, é deixar nas entrelinhas, para o leitor avaliar, o desfecho da trama”, explica Juarez.

E o final do livro não poderia ser mais interessante, pois a história é feita de mistérios e reviravoltas. Juarez, assim, deixa no ar indícios e algumas dúvidas. Fica para o leitor o prazer da descoberta. Juarez fala sobre uma figura ímpar, uma pessoa que se julgava “fora dos padrões de beleza, com um queixo e nariz grandes, olhos fundos e sobrancelhas grossas, cabelos escassos penteados para trás e um bigodinho bem aparado, típico da época”. O escritor mergulha nos anos 1930 e revela um Brasil para brasileiros. Cabem neste contexto figuras como Noel Rosa, Braguinha e Juscelino Kubitschek, entre muitos outros.

Como se sabe, Lamartine de Azeredo Babo nasceu no Rio de Janeiro em 1904 e morreu, na mesma cidade, em 1963. Escrevendo desde os 14 anos, foi um dos mais importantes compositores populares do Brasil, autor de clássicos como O teu cabelo não nega, Linda morena e a Marchinha do grande galo. Era chamado de Rei do Carnaval. Em suas letras, predominavam o humor refinado e a irreverência. Além disso, também compôs os famosos hinos dos seis mais tradicionais times de futebol do Rio de Janeiro: Vasco da Gama, Fluminense, Flamengo, Botafogo, América
e Bangu.

E foi em 1937, numa situação inusitada, que Lamartine compôs o famoso samba-canção Serra da Boa Esperança. Lalá, como era conhecido, não perdia a chance de fazer um trocadilho ou uma piada. Numa das passagens do livro, ele mostra um espírito atento, brincalhão e inteligente. O caso aconteceu numa taberna: ao entrar no recinto, Lamartine foi recebido por funcionários dos Correios. O telegrafista, então, bateu o lápis na mesa, em morse, para os colegas: “Magro, feio e de voz fina”. Lalá tirou o seu lápis e bateu: “Magro, feio, de voz fina e ex-telegrafista”.

Em 1951, aos 47 anos, Lamartine Babo, que nunca tivera sorte no amor, casou-se, enfim. Morreu vitimado por um infarto em 16 de junho de 1963, deixando seu nome no rol dos grandes compositores do país. Seu amigo e parceiro João de Barro, o popular Braguinha, disse certa vez: “Costumo dividir o carnaval em duas fases: antes e depois de Lamartine”.

 Como surgiu a ideia para a construção do seu livro?
O livro nasceu a partir do meu trabalho de conclusão do curso de história. Na oportunidade, pesquisava e tentava demonstrar que Boa Esperança não se aproveitou dessa história para gerar desenvolvimento cultural e turístico e que, apesar de ser nacionalmente conhecida, as pessoas da cidade não conheciam tal história, que envolve um dos maiores artistas brasileiros e, quando conheciam, era de maneira distorcida e contada do ponto de vista do pessoal daqui. Era preciso contar em forma de romance e do ponto de vista de Lamartine Babo.

Qual a importância do cotidiano, da linguagem coloquial, na sua literatura?
Dentro de sala de aula e na rua procuro mostrar a importância desse resgate histórico para a formação da nossa identidade. O livro foi escrito de maneira simples, com um vocabulário coloquial que permite tanto a leitores assíduos como a pessoas que não têm o hábito de ler entenderem a história.

Qual a dimensão da música e da história em sua trajetória como escritor?

Confesso que a música não me influencia tanto, uma vez que venho de uma família de lavradores que apenas possuía um rádio, que só tocava músicas sertanejas. Durante o dia não se ouvia rádio porque estávamos na lavoura. Eu tenho formação em direito e nunca atuei na área. Sou fascinado pela história, pela disciplina, porque é conhecendo o passado que construímos o presente e evitamos cometer os erros que foram cometidos. Portanto, conseguir fazer uma releitura de episódios como o que é contado no livro, de maneira agradável, é contribuir com as novas gerações.

O que representa Lamartine Babo para a nova geração e qual a influência dele para a construção de MPB?
As novas gerações não conhecem Lamartine Babo, mesmo cantando os hinos de times de futebol do Rio de Janeiro que ele compôs, praticamente todos. Lamartine foi um dos mais ecléticos artistas, principalmente na década de 1930. Sem ele o carnaval não seria o mesmo, pois era um artista popular, com suas marchinhas, onde estão presentes a alegria, a irreverência e muito humor.

Qual é a maior dificuldade enfrentada pelos escritores, hoje, num país de poucos e raros leitores?
Apesar de vivermos num mundo virtual, felizmente ainda temos um número razoável de leitores que preferem livros impressos. Prova disso é o número elevado de grandes livrarias que ainda existem. Porém, colocar um livro nessas livrarias ainda é o grande desafio. Acredito ainda que livros pequenos e de fácil interpretação serão aqueles que terão mais aceitação nesse mundo onde as pessoas procuram otimizar cada vez mais o tempo.

Em quanto tempo ficou pronto o livro? Como foi o processo criativo?
Foram quatro anos de trabalho, entre pesquisa, elaboração dos textos e editoração. Mesmo sendo uma ficção, ela foi baseada em fatos reais. Portanto, a espinha dorsal da história foi mantida, com seus personagens e particularidades. Foi necessário muito cuidado para que a ficção não deturpasse a realidade. Foi extremamente prazeroso mergulhar nesse universo da música e de realidades tão distintas, ou seja, da capital federal a uma cidadezinha perdida entre as montanhas de Minas.

Em que medida a memória serve como combustível para a criação artística?

Qualquer acontecimento serve de inspiração para que o artista extraia dele uma grande história. Isso ocorre na música, teatro, cinema ou literatura. Essa história, que conto em forma de romance, é nacionalmente conhecida. Portanto, era necessário resgatá-la, fazendo uma releitura principalmente para as gerações que não a conhecem.

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