O que é a fotografia?, mostra em cartaz até abril no Centro Pompidou, em Paris, felizmente não responde a essa questão. É uma exposição livre, antiontológica. Ou seja: não trata da fotografia tendo uma natureza comum, inerente a toda e qualquer expressão dessa linguagem. Imprecisa e descosida, a exposição reúne trabalhos muito diferentes que tentam de uma forma ou de outra explicar o que são e ao que vêm – cada um deles pode ser “petiscado” indiferentemente ao bel-prazer do visitante.
Essa é a segunda exposição da Galeria de Fotografias, aberta no fim do ano passado para completar o acesso permanente à rica coleção, uma das mais importantes do mundo. São 40 mil provas fotográficas dos anos 1920 até hoje, para as quais serão programadas três mostras anuais: temáticas, históricas e monográficas. O intuito é dar à fotografia um espaço específico para que ela não seja mais tratada como uma arte entre outras dentro do enfoque multidisciplinar que caracteriza o Centro Pompidou.
“Se o curador chegasse a definir a fotografia, o que se tenta fazer desde a sua invenção, em 1839, não lhe restaria mais nada”, afirma Clément Chéroux, conservador no Museu Nacional de Arte Moderna de Beaubourg e responsável por essa exposição, assim como pela última grande mostra de trabalhos de Cartier-Bresson. “Poderíamos trancar a porta e ir embora...”, conclui.
Nos oito segmentos pedagógicos da exposição, os trabalhos revelam como os 30 artistas se dedicaram a explorar um meio comum, com métodos diversos porque coerentes com suas procuras individuais. Para alguns, a fotografia é apenas um desejo de ver; para outros ela se define por seu material, princípios e prática; para outros, ainda, é uma “sutil alquimia”, um “desvio poético” ou simplesmente um “formidável recurso”. Problemas tanto mais intensos quanto maiores foram os momentos de mutação: industrialização, democratização, reconhecimento artístico, passagem à fotografia digital.
Assim, é sempre por meio da imagem, jamais por teorias, discursos ou manifestos, que as obras de Joseph Beuys, Paul Citroën, Jochen Gerz, André Kertész, Giulio Paolini e tantos outros podem ser apreendidas. Eles procuram mostrar do que a fotografia é constituída. Cada um, à sua maneira, tenta compreender o próprio ofício.
Alguns, como Brassaï, dissecam os instrumentos e materiais: mostram a câmera escura, ótica, luz, gelatina, papel, tudo o que determina a “especificidade” do meio.
Para Man Ray, são as novas (e subversivas) práticas instigadas pelo material que distinguem a fotografia das outras artes. Mas as imagens se definem também em sua relação com o real. Nas fotos de Jeff Wall e Robert Morris há concisão documental e distância crítica que não deixam de encerrar uma dimensão poética.
IMPACTO Douglas Gordon e outros provam o quanto a fotografia depende de sua condição relacional, quanto é essencial o impacto do olhar na construção da imagem e de seus significados, inclusive de seus componentes sociais e políticos. É possível que jamais se queira (ou se chegue a) ter conhecimento do que é a fotografia. Porém, ao rever Brassaï e Man Ray nessa exposição, não podemos nos impedir de pensar que o surrealismo, abrindo-nos as portas a um caminho do qual só nos aproximamos em sonho, foi o único que se empenhou, arrogantemente, em demonstrar o que a fotografia sem dúvida não era (e não é). O que já é um grande passo para saber o que ela é.