Um desafio E TANTO

Implantado há 20 anos em Minas Gerais, o mecanismo do ICMS Patrimônio Cultural ainda é pouco usado pelos municípios. Rivalidade entre políticos prejudica projetos de interesse da comunidade

por 28/03/2015 00:13
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Cláudia Campolina

Decorridos 20 anos de sua implantação, a Lei 12.040, mais conhecida por Lei Robin Hood, ainda é questionada em relação à eficácia do subitem ICMS Patrimônio Cultural. Promulgada em 1995, ela representou uma esperança para os municípios menos favorecidos, pois tinha como prioridade proporcionar fonte de recurso suplementar a cidades de pequeno porte.


No caso das políticas de proteção de bens culturais locais, Minas foi pioneira. Até então, nenhum outro estado contava com regras específicas de distribuição do ICMS para o setor cultural. De acordo com a Constituição Federal, de 25% do ICMS destinado aos estados, no mínimo três quartos devem ser direcionados aos municípios tendo como base o Valor Adicional Fiscal (VAF). Quanto ao restante, cada unidade da federação tem autonomia para definir a sua distribuição.
Em Minas Gerais, a Lei Robin Hood obedece a 13 critérios – entre eles, o ICMS Patrimônio Cultural, cujo percentual representa 1% da cota-parte. Em 2014, essa pequena parcela de 1% representou R$ 77.970.211,55, investidos na preservação da cultura e da história dos mineiros.


Contudo, para que o município possa receber esses recursos, o prefeito deve encaminhar anualmente ao Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG) documentação comprobatória da realização das ações previstas e ser pontuado de acordo com os projetos desenvolvidos. O repasse é proporcional à pontuação obtida pela cidade. Para isso, levam-se em conta a política cultural local, educação patrimonial, inventário de proteção ao acervo cultural, planejamento, tombamento e ações de proteção.


Ao analisar o banco de dados disponibilizado pelo Iepha/MG no período de 2011 a 2015, percebe-se que dos 853 municípios mineiros, apenas 361 (42,2%) receberam pontuação referente ao ICMS Patrimônio Cultural em todos os anos; em 210, isso ocorreu em quatro anos; em 126, em três anos; em 45, em dois anos; em 47, em um ano. Resumindo: 789 municípios foram pontuados em pelo menos um ano e 64 não receberam pontuação no período analisado.


Entre as 361 cidades mais bem pontuadas destacam-se Ouro Preto, cuja média nos cinco anos foi de 49,23 pontos; Mariana, com 43,6 pontos; Santa Bárbara, com 41,4; e Barão de Cocais, com 24,67. Contudo, ao analisar a posição delas no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 2010, percebe-se que não ocupam as primeiras posições, que cabem a Nova Lima, Belo Horizonte, Uberlândia e Itajubá. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mariana está na 54ª posição, Ouro Preto na 58ª, Santa Bárbara em 198º lugar, e Barão de Cocais na 120ª posição.

QUEDA De acordo com a análise descritiva dos dados, observa-se que entre os cinco anos analisados, 2014 apresenta o menor número de municípios pontuados – 433 –, ou seja, 50,76% do total do estado e a menor somatória de pontos, equivalente a 3.360,73. Ou seja, 37,43% a menos que em 2013, quando 692 cidades compartilharam em torno de R$ 71 milhões, pois cada ponto, naquele ano, representou aproximadamente R$ 20 mil a mais para os cofres municipais.
Como os dados são baseados em documentos enviados dois anos antes, credita-se o baixo número de municípios pontuados em 2014 à mudança no comando das prefeituras. No pleito de 2012, cerca de 80% das administrações municipais eram ocupadas por adversários dos novos prefeitos. Ou seja, faltou vontade política para executar ações cujos resultados seriam colhidos dois anos depois.
Em 2015, 597 municípios serão beneficiados. Apesar do aumento de 27,48% em relação a 2014, o índice de cidades pontuadas ainda fica muito aquém do esperado, pois apenas 30% dos municípios mineiros receberam recursos para o setor cultural. Entre as 64 cidades que não pontuaram de 2011 a 2015, 69% são de pequeno porte, apresentando a menor pontuação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – ou seja, 0.6. É sempre bom lembrar: Minas Gerais tem 484 municípios de pequeno porte, com população até 10.188 habitantes.


A eficácia da Lei Robin Hood é muito questionada, principalmente no que se refere à destinação de benefícios de porte considerável a municípios menos favorecidos, pois sua implantação pretendia contribuir, por meio da distribuição mais igualitária da cota-parte do ICMS, para equilibrar o processo de desenvolvimento do estado e, principalmente, beneficiar setores menos favorecidos pelas políticas públicas, como a cultura.


Apesar de vários exemplos de sucesso em Minas Gerais, há cidades que não conseguem ou não se interessam em obter resultados significativos relativos ao ICMS Patrimônio Cultural. Entre os motivos mais plausíveis disso estão a falta de vontade política, o baixo envolvimento da comunidade e o não comprometimento dos gestores municipais, que ainda não se conscientizaram sobre a necessidade urgente de proteger os bens culturais de sua comunidade.


Outra questão não menos importante: o interesse das prefeituras exclusivamente nos recursos advindos do ICMS Patrimônio Cultural em detrimento da real proteção patrimonial. Os investimentos têm se limitado ao mínimo necessário para seguir recebendo a verba, impedindo a realização de projetos amplos e continuados, capazes de avanços de causar impacto no setor.


Em muitos municípios, os trabalhos são interrompidos no ano eleitoral, pois prefeitos não investem ou param de destinar recursos ao patrimônio. Isso porque acreditam que o fruto de seu trabalho será colhido pelo sucessor. No ano posterior ao eleitoral, é comum o administrador empossado interromper projetos iniciados pela gestão anterior. Tal problema ocorre principalmente nas cidades de menor porte, cujos governos são extremamente centralizadores. Se o setor responsável pela política patrimonial contasse com mais autonomia, com certeza alguns desses problemas seriam evitados. Mesmo porque, a maioria dos funcionários que ali trabalha nasceu e cresceu na cidade e valoriza a preservação da história de seu povo.


Nesse sentido, a criação dos fundos municipais de patrimônio vem amenizando a influência negativa dos aspectos políticos. Abastecido com recursos advindos do ICMS Patrimônio Cultural e de outras fontes, o fundo é gerido pelo Conselho Municipal do Patrimônio e trabalha com independência, o que, com certeza, contribui para evitar a descontinuidade ocasionada pela mudança de gestão.

Está claro que várias questões ligadas ao tema merecem ser aprofundadas, pois não se esgota o assunto em uma simples análise de dados. Fica aqui a sugestão ao novo governo do estado, em especial à Secretaria de Estado da Educação, para que as vantagens proporcionadas pela Lei Robin Hood, especialmente o ICMS Patrimônio Cultural, possam beneficiar cada vez mais municípios, contribuindo para a preservação da história e da memória do povo mineiro.

Pioneira no incentivo à municipalização da proteção do patrimônio cultural, Minas deve estar atenta às demandas que vão surgindo, pois a cidade é entidade viva, em processo contínuo de evolução.


Cláudia Campolina é jornalista, mestranda em ambiente construído e patrimônio sustentável pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora da monografia “Distribuição do ICMS Patrimônio Cultural para os municípios de Minas Gerais nos últimos cinco anos”

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