Sentimentos à flor da pele (em revista)

Chega às livrarias Ernesto, publicação criada em BH por jovens autores. O número zero aborda o tema superxposição e convida o leitor a cultivar a poesia em seu dia a dia

por 07/03/2015 00:13
Ernesto/Reprodução
None (foto: Ernesto/Reprodução)
Silvana Arantes

‘‘É quase impossível ter 20 anos, um pouco de sensibilidade, um pouco de insatisfação e não entregar a alguns poetas e alguns romancistas o cuidado de resolver os nossos problemas, de nos salvar de nós mesmos. E para melhor nos comunicarmos com eles, temos que ser, nós mesmos, poetas e romancistas. Seus iguais.”

Drummond falava de sua própria geração quando assim descreveu o despertar da veia poética na juventude. Mas o fenômeno continua verdadeiro e atual, como comprova a edição zero da revista Ernesto. Empreitada de moços que querem dar forma ao seu sentimento do mundo, a publicação tem na superexposição o tema desse primeiro número. Não se trata, porém, de desvelar em riqueza de detalhes atos que, em geral, combinam com intimidade e recato. Muito menos de exibir esse ou aquele atributo físico. A superexposição que ocupa as 96 páginas do volume é a das dúvidas e sonhos, dos desejos e tristezas, das inseguranças e vontades – de tudo aquilo que, supõe-se, nos fragiliza ao olhar do outro. Quando o outro é tratado com a cautela que se dispensa aos possíveis agressores.

Mas a turma de Ernesto não parece interessada em conflitos e ruínas, senão em encontros e possibilidades. Essa visada encontra sua tradução no relato de alguém (Julia Duarte) que conheceu o abismo da depressão e livrou-se dele escrevendo e desenhando (Dance com a tristeza), na descrição do método Nakamats para oxigenar o cérebro (Quase morra), na declaração de amor de Marcelo Noah a João Gilberto (Tenha uma obsessão), o músico que foi capaz de silenciar seus fantasmas e fazê-lo recuperar o ritmo da caminhada.

Entremeando os textos, alguns deles em inglês, outro na “língua que a internet fala”, há uma espécie de carta-convite ao leitor, no sentido de que ele procure ver poesia na vida e adote atitudes despojadas das amarras das obrigações ou do comportamento padrão.

Há o risco de o discurso se aproximar em demasia da vertente mais superficial das terapias cognitivo-comportamentais? Sem dúvida. Mas o pessoal da Ernesto o admite desde o início, na apresentação da revista. “Começamos este projeto para nos aproximar de pessoas, histórias e ideias que nos inspiram. (...) O problema é que não sabemos fazer isso. Somos um pequeno grupo de amigos que até outro dia não sabia sequer por onde começar. Optamos por continuar. Tentar. Foda-se. Errando feio a gente não mataria ninguém.”

Além de estar afastada a hipótese do homicídio, deve-se lembrar que, às vezes (raríssimas), o cultivo da sensibilidade e do talento faz surgir um Drummond, que prossegue assim a reflexão sobre o jovem poeta de 20 anos: “Somos Dante e Baudelaire, somos Balzac e Dostoiévski. Com o tempo, despregamo-nos dessas personagens monstruosas, caímos numa mediocridade vivida e suportável, reenquadramo-nos no plano estático, sem constelações, sem agapantos indescritíveis, sem bicicletas de fogo... Mas eu sustento que o pior literato de 20 anos ainda é um homem maravilhoso, e o invejo, o amo e o respeito, absolutamente sem crítica”.

ERNESTO
• Edição zero – Superexposição
• 96 páginas
• R$ 30 (à venda em livrarias)
• Informações: amigos@ernesto.com

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