Reeditar para sobreviver

Editoras brasileiras investem em antigos títulos para enfrentar a crise anunciada para este ano. Clássicos vão voltar às prateleiras

por 07/03/2015 00:13
Editora Globo/divulgação
Editora Globo/divulgação (foto: Editora Globo/divulgação)
Nahima Maciel

A lista de reedições do mercado editorial para 2015 é uma aposta segura em ano de crise. Os números do mercado em um país de não leitores – segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o brasileiro lê, em média, menos de quatro livros por ano – indicam que o setor não tem crescido nos últimos anos e, provavelmente, não vai crescer nos próximos meses. As reedições são uma forma de tentar movimentar essa economia. Devem-se, geralmente, ao fato de uma editora ter adquirido os direitos, de os títulos estarem esgotados ou ainda para celebrar efemérides.

A lista de 2015 é convidativa. A Companhia das Letras vai reeditar a obra de Thomas Mann, que pertencia à Nova Fronteira, e já começou a republicar os livros de J. J. Veiga. A empresa comprou os direitos dos livros de Mann e iniciará os relançamentos com Morte em Veneza, Tonio Kröger e A montanha mágica. Para o segundo semestre estão previstos mais dois títulos, ainda em estudo. Já a obra de Veiga, que pertencia à Record, volta às prateleiras com nova embalagem para celebrar os 100 anos de nascimento do autor. Até agora, a Companhia lançou o romance A hora dos ruminantes e a reunião de contos Os cavalinhos de platiplanto, ambos com novos prefácios assinados por Antonio Arnoni Prado e Silviano Santiago, respectivamente.

No selo Biblioteca Azul, da Editora Globo, a estrela de 2015 será John Updike. Em 2014, a editora lançou três volumes anteriormente editados pela Companhia das Letras. Agora é a vez dos romances Quer casar comigo? (1977) e Busca minha face (2002), ambos com novas traduções, respectivamente, de Pedro Sette-Câmara e George Schlesinger. Em 2014, a Biblioteca Azul também deu início à reedição da obra de Aldous Huxley, há muito esgotada no país. O escritor fazia parte do catálogo da Globo, mas desta vez o relançamento chega a 15 títulos, a maior parte com as traduções originais (Erico Veríssimo chegou a traduzir Huxley), o que forma um conjunto bastante interessante.

A Cosac Naify aposta em dois autores brasileiros: Murilo Mendes e Jorge de Lima. Foram quatro títulos de Mendes no ano passado e mais três este ano: Poesia liberdade, Contemplação de Ouro Preto e Poliedro. A Alfaguara começa a reeditar a obra completa de Manoel de Barros, cujos direitos pertenciam à Leya até o ano passado. No total, a editora quer lançar 22 livros com novo projeto editorial e material iconográfico inédito com possíveis reproduções dos cadernos do poeta. Meu quintal é maior que o mundo será o primeiro lançamento, com direito a prefácio de José Castello e fac-símile de carta de Antonio Houaiss endereçada ao poeta. Compêndio para uso dos pássaros, O livro das ignorãças e Livro sobre nada ficam para o segundo semestre.

Em busca de fôlego Reedições representam fatia importante de publicações de uma editora. Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) em 2012 revelou que, em 2010, foram reeditados 36.042 títulos, quase o dobro dos 18.712 novos livros que chegaram ao mercado. Em 2012, último ano abrangido pela pesquisa (a mais recente do mercado), essa proporção é de 36.681 títulos reeditados para 20.792 novos. Nesse número não entram títulos republicados com novos tratamentos de capa e fortuna crítica. Seriam, portanto, apenas reimpressões, e não títulos com atualização de conteúdo e modificações.

Segundo Marcos da Veiga Pereira, presidente do Snel, as reedições podem representar entre 70% e 80% do volume de produção de uma editora. “A empresa vive basicamente de sua capacidade de reimprimir os títulos que publica, já que os custos editoriais não se repetem, gerando margens que permitem o reinvestimento em novos projetos. A venda nunca é garantida, mas você trabalha com o histórico das vendas passadas”, explica Pereira.

As vendas pequenas, mas constantes, das reedições podem ajudar em tempos de crise. A pesquisa da Fipe revelou que o número de exemplares publicados cresceu 11,68% e o faturamento, 8,34%, enquanto o preço médio do livro caiu 2,94%. “O aumento no faturamento foi acima da inflação e praticamente em linha com o PIB, o que mostra certa estagnação do mercado. Mas vale a pena comemorar o crescimento de exemplares vendidos”, diz Pereira.

Editor da Alfaguara, Marcelo Ferroni garante que a qualidade é o principal motor para justificar as reedições, mas a capacidade de venda não pode ser desprezada. “Manoel de Barros é um poeta que tem potencial não só para a livraria, mas para escolas e governo”, aponta o editor. “Reedições são apostas a longo prazo, têm venda lenta e constante.”

De acordo com o pesquisador Leonardo Bastos, sócio da consultoria Catavento, mestre em estratégia pela Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor da pesquisa “Crescimento da indústria editorial de livros no Brasil e seus desafios”, as reedições são importantes porque representam uma fonte de recursos para editoras e livrarias, inclusive para o financiamento de novos títulos.

Publicar clássicos esgotados ou republicar o próprio catálogo é uma maneira econômica de garantir a sobrevivência do mercado: proporciona previsibilidade de caixa. “Isso é fundamental em qualquer negócio”, garante. “Por outro lado, o crescimento contínuo de títulos não necessariamente é saudável para editoras e livrarias, principalmente se a demanda por livros e os canais de distribuição não acompanharem esse crescimento. Quando isso ocorre, novos títulos acabam disputando o mesmo espaço e os mesmos leitores”, explica.

Com a crise deste ano, o aumento das taxas de juros e da cotação do dólar, a tendência é que o rendimento do mercado do livro seja reduzido e as editoras passem a apostar em negócios seguros, como as reedições.

Otávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras, admite que a reedição é um dos pilares de sustentação da editora. “A Companhia vive do catálogo de clássicos modernos”, avisa. “As reedições têm grande importância, sobretudo dos clássicos brasileiros, porque, historicamente, o governo compra para a formação de acervos nas escolas”, conclui.


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