Missão histórica

por 28/02/2015 00:13
Claudia Colucci

O câncer está nos jornais e revistas, o câncer está no cinema, o câncer está na política, o câncer está na moda. O câncer já foi biografado. Sua história rendeu ao oncologista Siddhartha Mukherjee o Prêmio Pulitzer de 2011 (O imperador de todos os males: uma biografia do câncer, Companhia das Letras). Agora, é a vez de a história da luta contra o câncer no Brasil ser contada. A missão coube ao escritor Eduardo Bueno, que escolheu como fio condutor a trajetória do Hospital A. C. Camargo, referência no tratamento da doença no país.

O sonho de Carmem (Comunique Editorial) retrata como o casal Antônio e Carmem Prudente mobilizou a sociedade paulista em torno da construção do primeiro hospital oncológico de São Paulo, inaugurado em 1953. O nome da instituição homenageia o médico Antonio Cândido de Camargo, um dos pioneiros na investida contra o câncer no Brasil.

À primeira vista, a obra tem cara de publicação institucional. A começar pelo patrocínio do grupo Votorantim. A família Ermírio de Moraes, dona do conglomerado, participa da gestão do hospital, com José Ermírio de Moraes Neto na presidência do conselho curador e Liana de Moraes na diretoria-executiva.

Mas Bueno, autor de mais de 30 livros, contornou a situação com um bom resgate histórico da biografia do câncer e do seu combate, além de bastidores políticos da República Velha e da Era Vargas.

Jornalista dos Diários Associados, a gaúcha Carmem tinha trânsito livre nas altas rodas do poder. Seu pai, Heitor Annes Dias, era médico particular de Getúlio Vargas e de sua mulher, Darcy. O marido, o cirurgião Antônio Prudente, era da oligarquia rural paulista e neto do primeiro presidente civil brasileiro, Prudente de Moraes.

Por meio da história do casal é possível conhecer a disputa política em torno das primeiras ações de combate ao câncer no país. Em viagem aos EUA, em 1945, Carmem conheceu as campanhas para arrecadação de dinheiro para o combate da doença, feitas pelas ligas femininas. A partir de 1946, ela passou a organizar no Brasil ações semelhantes. Valia de tudo: de chá beneficente nos redutos dos endinheirados de São Paulo a peregrinações de porta em porta por toda a cidade. Também foram espalhados 25 mil cartazes pelas ruas de São Paulo, além de uma exposição de tumores preservados em formol. Ideia ousada para uma época em que se evitava até mesmo falar a palavra câncer.

Quase 70 anos depois a doença ainda aterroriza, mas hoje várias formas de câncer são curáveis graças a pesquisas que levaram ao desenvolvimento de terapias mais eficazes – muitas delas, aliás, financiadas por beneméritos que enxergaram além da própria conta bancária.


O SONHO DE CARMEM
Como a sociedade ajudou a transformar a história do câncer no Brasil
. De Eduardo Bueno
. Comunique, 276 páginas
. R$ 38
. E-book: R$ 19

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