O solitário comunista

Livro de Daniel Aarão Reis mostra contradições e glórias de Luís Carlos Prestes. O gaúcho fracassou em seu projeto revolucionário, mas deixa ideias marcantes para a história do Brasil

por 21/02/2015 00:13
Mário de Moraes/Arquivo O Cruzeiro/EM
Mário de Moraes/Arquivo O Cruzeiro/EM (foto: Mário de Moraes/Arquivo O Cruzeiro/EM)
Marcelo Coelho da Fonseca




Há 90 anos, em janeiro de 1925, Luís Carlos Prestes se lançava em uma marcha pelo Brasil. Com recém-completados 27 anos no dia 3 daquele mês, o gaúcho comandou 1,5 mil homens que se juntaram a um movimento revoltoso que havia começado no ano anterior em São Paulo, sob a liderança do comandante Miguel Costa. As insatisfações com o regime oligárquico em vigor no país desde o final do século 19 e as péssimas condições de trabalho dos militares o motivaram a dar o primeiro passo em direção a um conflito com o poder central. Era o início de uma trajetória marcada por embates e privações na defesa de uma visão de um Brasil mais justo e menos desigual. Prestes era homem de convicções. Estava disposto a pagar um alto preço para defendê-las. E pagou. Até sua morte, em 1990, ele passaria por duras batalhas – encarando mais derrotas do que vitórias – e décadas na clandestinidade.

Em Luís Carlos Prestes – Um revolucionário entre dois mundos, o historiador Daniel Aarão Reis deixa de lado as imagens tradicionais e caricaturais daquele que se tornaria o maior líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O autor participou do movimento estudantil na década de 1960, exilou-se na Argélia e na França durante a ditadura. Em vez de idealizar o líder comunista em sua juventude, Reis participou de grupos que consideravam a atuação de Prestes desastrosa nos momentos que antecederam o golpe de 1964. Em busca de um relato equilibrado sobre a trajetória de Prestes são apresentados vários lados do personagem. Do líder carismático que levou milhares de cidadãos para as ruas e ocupou parte significativa no imaginário de revolucionários brasileiros – convictos da instalação de um regime socialista que nunca viria se consolidar – ao dirigente partidário que se equivocou em análises do contexto político do país e, sem compreender a realidade que o cercava, conduziu seu grupo para a clandestinidade. A biografia desagradou, como explica o próprio autor: “Há muita gente criticando a obra como complacente. Mas como outras pessoas dizem que difamei Prestes, as críticas extremadas acabam se neutralizando”.

Intentona O livro traz momentos pouco conhecidos da trajetória do líder comunista. De contradições e brigas enfrentadas dentro da Coluna Prestes a lances de amadorismo na tentativa de golpe em 1935 – a fracassada Intentona Comunista. O autor aprofundou os dilemas enfrentados pelo biografado durante seu ingresso no Partidão, com duros embates internos. Ele chegou até mesmo a ser repudiado pelos camaradas, considerado um homem da burguesia, distante dos ideais comunistas. Os laços familiares, também cheios de conflitos e derrotas – como a perda da primeira mulher, Olga Benário –, permeiam sua trajetória política e muitas vezes se misturam, despertando outro lado pouco conhecido daquele que ganhou o apelido de Cavaleiro da Esperança, levando o sonho da mudança para os rincões abandonados do Brasil.

A rigidez de posições políticas era, ao mesmo tempo, sua força e sua fraqueza. Se por um lado a ideia de que o Brasil precisaria se libertar de uma elite que se revezava no poder impediu que o líder comunista conquistasse maior espaço no meio político, por outro despertava admiração e respeito por sua coragem de dizer o que acreditava, independentemente dos riscos de vida que corria. Em um país que tem a história política marcada por conchavos e acordos em torno de interesses, a trajetória de Prestes serve como exemplo de luta obstinada por ideais.

Despertando ódios e paixões, Luís Carlos Prestes foi protagonista de vários episódios da história brasileira. Tentou emplacar a revolução em um país cuja população não se convenceu dessa utopia. Poucos embarcaram em seus planos revolucionários. O Cavaleiro da Esperança acreditou que existia uma conjuntura favorável para o movimento revolucionário. Em meio à miséria e à desigualdade social, principalmente no campo, previu que surgiria dali uma insatisfação incontrolável que levaria à revolta e à derrubada do governo. Errou.

Mais tarde, calejado em lutas internas no PCB e acumulando derrotas em suas tentativas frustradas de organizar um movimento que levasse a classe proletária ao poder, Prestes reviu algumas das posições radicais que adotou em momentos decisivos de sua vida. Apesar das convicções, os comunistas tiveram que declarar apoio a candidatos que não defendiam suas bandeiras. Era a opção pela “conciliação”, que o líder comunista tanto criticava. Prestes nunca teve vergonha de admitir erros na condução do partido. E não se escondeu ao ser acusado de contradições em sua atuação política.

Em 1963, depois de voltar de viagem pela União Soviética e Cuba, Prestes e os comunistas se viram em uma situação difícil sobre a posição a ser adotada em relação ao governo João Goulart. O presidente era criticado por conservadores por apoiar políticas próximas ao comunismo e, ao mesmo tempo, recebia duros ataques de Prestes por suas medidas de “conciliação com os imperialistas e latifundiários”. Questionado sobre as contraditórias críticas ao presidente Jango, que estaria pela primeira vez adotando medidas próximas àquelas defendidas pelo PCB, Prestes se explicou. “Não somos nós que temos uma política contraditória. É a vida que é, por excelência, contraditória”, disse o líder comunista, em uma avaliação que ele próprio comprovaria ao longo de sua trajetória.

Engenheiro
A liderança e o carisma que destacaram Luís Carlos Prestes logo nos primeiros anos de sua carreira como engenheiro militar contrastaram com os momentos de dificuldade na infância. Filho de pai militar e mãe católica, ele, aos 6 anos, mudou-se com a família de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, então capital federal. Quatro anos depois, com a morte do patriarca, vieram as dificuldades financeiras. Prestes não conseguiu se adaptar ao Colégio Militar. A mãe só conseguiu garantir a vaga depois de muita briga. Apesar dos impasses, o gaúcho veio a se formar na Escola de Realengo como um dos melhores da classe. Aquela “volta por cima” surpreendeu professores e a direção da escola. Destacou-se pela disciplina e carisma entre os colegas.

Ainda jovem, Luís Carlos assistiu, na capital federal, aos movimentos de revolta de soldados e tenentes, insatisfeitos com as péssimas condições das tropas e com denúncias recorrentes de corrupção envolvendo os governantes brasileiros. Prestes declarou apoio aos insatisfeitos e sofreu represálias por isso. Foi enviado ao Rio Grande do Sul, em 1922, em uma espécie de “geladeira”, como punição por atos de apoio aos rebeldes. Em sua terra natal, começaria de vez a trajetória revolucionária, tornando-se a principal liderança do movimento revoltoso no Sul.

Em julho de 1925, a insatisfação dos militares se transformou em ação. Um grupo liderado por Miguel Costa, em São Paulo, planejou a tomada de batalhões. Nascia a rebelião contra o governo do presidente Arthur Bernardes. O movimento na capital paulista foi sufocado por tropas governistas, mas dezenas de militares conseguiram fugir da cidade e iniciaram a sua marcha sem rumo pelo Brasil. Ao saber do movimento liderado por Costa, Prestes, jovem e influente capitão, mobilizou as tropas sulistas e partiu em apoio aos revoltosos. As duas colunas se encontraram em março de 1925, formando a Coluna Costa-Prestes, que entraria para a história batizada apenas com o nome do revolucionário gaúcho.

Nos mais de dois anos em que marchou pelo interior do Brasil na década de 1920, Luís Carlos Prestes conheceu um país até então completamente ignorado pela maior parte da população. A miséria extrema e as injustiças que viu nesse período tiveram grande influência em suas posições ideológicas. A Coluna Prestes, no entanto, não encontrou apoio junto ao povo, que acompanhava aqueles soldados com desconfiança e hostilidade. Caçados por coronéis e por tropas governistas, os revoltosos foram incapazes de obter apoio por onde passavam. Fracassaram.


LUÍS CARLOS PRESTES
Um revolucionário entre dois mundos
• De Daniel Aarão Reis
• Companhia das Letras
• 592 páginas, R$ 48,90

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