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Segredos de mulher

A atriz Maria Ribeiro estreia na literatura com Trinta e oito e meio. Ilustrado por Rita Wainer, o livro é um delicado guia das sutilezas do universo feminino

André di Bernardi

A editora Língua Geral acaba de lançar Trinta e oito e meio, uma pequena mas consistente seleção de crônicas da atriz e apresentadora carioca Maria Ribeiro. No encalço da colega Fernanda Torres, que recentemente lançou o bom romance Fim e o livro de crônicas Sete anos, Maria encara o novo desafio e a nova aventura de forma corajosa e despretensiosa, o que, no caso, é uma qualidade.

Maria não pretende grandes voos. O livro apresenta uma série de curtas reflexões e desabafos escritos, diga-se a seu favor, com cuidado literário e interessante desenvoltura. Os textos prendem o leitor, pois Maria não exige tanto de si mesma. Ela apenas relata, conta as coisas que viu e do tanto que sentiu. Às vezes, a descontração, no caso da literatura, quando o assunto são as palavras e o poder que delas emana, pode ser perniciosa. Não é o caso de Maria Ribeiro. Isso porque pode ser interessante, e muito bom, sabermos o que se passa nos bastidores do coração de uma alma delicada, frágil e forte, como devem ser as pessoas interessantes. Como geralmente são as mulheres.

Maria Ribeiro escreve crônicas. E não escreve crônicas. O livro é quase um diário. A leitura deixa em nós uma sensação de descobertas, o leitor se sente como quem olha pelo buraco da fechadura. Maria Ribeiro parece contar segredos, como em “Eu, nua”, quando narra os seus medos, as suas inseguranças. Confessa, direta, com um brilho nos olhos: “Dei com amor”. Mas não sem antes passar pelos calvários de toda menina boba, que, na puberdade, transformou-se “de garota magrela em adolescente roliça em três estalos”.

A atriz encontra fôlego e espaço para alertar: ninguém precisa ser jovem e feliz. Talvez um tanto ingênua, ela também confessa: “Mas eu preciso dizer, compungida, que tenho preguiça de museu, que não entendo de arte e que acho o jazz um tanto cansativo”. Péssimo exemplo, Maria. Mas, logo em seguida, ela tenta uma certa correção ao se render a Tom Jobim, Rubem Braga e Machado de Assis. A escritora também não tem medo e confessa, não poucas vezes, sua futilidade feita de shoppings, vestidos e ninharias.

Assim, ficamos sabendo, deliciados, que Maria se apaixonou, pela primeira vez, aos 6 anos. Depois aconteceu de novo, aos 13, para depois, aos 17, ela descobrir que coisas e paixões também acabam, para renascer, novas, com direito a tudo, inclusive filhos. “A vida pode ser funda e bonita.”

Se tudo isso deperta no leitor uma curiosidade boa, Maria Ribeiro mostra que também sabe enxergar o mundo com um olhar sempre singelo, sutil, que respeita as histórias e as peculiaridades dos outros, das pessoas de que tanto gosta. A amizade torna-se, assim, um forte combustível para suas ideias e seus casos. A atriz revela o seu interesse (ou obsessão) pelo outro. Carolina Dieckmann, Rodrigo Hilbert e Wagner Moura, com direito a carta de amor e declarações ao marido, o ator Caio Blat.

Trinta e oito e meio reúne textos que Maria escreveu nos últimos anos. Com as ilustrações de Rita Wainer, eles formam um guia de viagem pela vida da atriz. Ela consegue facilmente saltar, com igual talento, entre os temas familiares – a família, o pai, os filhos, os amigos, a passagem dos anos – e os temas aparentemente mundanos, mas inevitáveis no cotidiano de uma mulher, dos quais consegue sacar sempre muito mais do que o óbvio e o superficial.

Entram em cena uma paixão – compreensível – por Paris, as dúvidas e o orgulho da maternidade, o fascínio por uma boa telenovela e a lista de coisas a fazer, que, “num último resquício de meninice”, ela ainda escreve numa agenda vermelha no primeiro dia do ano. Como disse Marcelo Rubens Paiva, “ler o que a Maria Ribeiro escreve é como abrir o diário dos segredos femininos mais camuflados”.

Outro detalhe, não menos importante: as ilustrações de Rita Wainer auxiliam o texto e fazem do livro uma qualidade de rosa que serve muito para flores, pássaros e delícias.



TRINTA E OITO E MEIO
De Maria Ribeiro
Editora Língua Geral
168 páginas, R$ 35




A carioca Maria Ribeiro nasceu em 9 de novembro de 1975. Formada em jornalismo pela PUC Rio, é atriz e documentarista. Participou dos filmes Tropa de elite (foto, com Irandhir Santos), Separações, Entre nós e Tolerância. No teatro, foi dirigida por nomes como Domingos Oliveira, Fauzi Arap e Hamilton Vaz Pereira. Integra o time de apresentadoras do programa Saia justa (GNT) e participa do elenco da novela Império, da TV Globo. Escreve para a revista TPM. Atualmente, a atriz conclui o longa-metragem Esse é só o começo do fim da nossa vida, sobre a última turnê da banda Los Hermanos.


TRECHO
“Porque não sou a gênia que meu pai previu, nem a moça elegante que minha mãe educou, tampouco a intelectual que meu irmão gostaria. Mas jogo meu futebol, e agradeço enternecida as assistências que recebi – assistências que eu preciso deixar de lado só por um tempo, pra educar meus filhos, fazer meus filmes e aprender a viver.”