A nova ficção periférica

O peruano Jeremías Gamboa e o chileno Alejandro Zambra revitalizaram a literatura da América Latina. Livros da dupla são influenciados pelas transformações sociais da região

por 14/02/2015 00:13
Natalia Espina/reprodução
Natalia Espina/reprodução (foto: Natalia Espina/reprodução)
Vanessa Aquino


A literatura da América Latina vive um novo ciclo de florescimento, com a emergência de uma geração que, sem abandonar os temas sociais e a formação de identidade, coloca no centro das narrativas a condição do escritor vindo da periferia do capitalismo.

Autoficção? Talvez. O mais provável é que essa produção retrate uma geração sedenta por apresentar a figura do autor contemporâneo inserido em países que experimentam transformações sociais. As delícias e agruras do processo de escrita também compõem o imaginário desses escritores.

O peruano Jeremías Gamboa, autor de Contar tudo, romance recém-lançado no Brasil, sustenta que a literatura de países latino-americanos se revitalizou com a renovação de temas e com o oportuno sopro de liberdade.

“A nova literatura latino-americana ganhou alguma visibilidade a partir do fenômeno Roberto Bolaño. A geração à qual pertenço escreve de maneira muito mais livre do que a anterior, sem preconceitos. Hoje, temos também maior diálogo com autores consagrados, o que antes parecia delirante”, afirma Gamboa.

Uma característica de contos e romances peruanos é a referência ao fazer literário e à formação do autor no contexto social. “Esses temas são recorrentes na ficção de Mario Vargas Llosa, obcecado com a figura do escritor. Também podemos observar tal característica na obra de Alfredo Bryce Echenique. Aqui no Peru, temos um homem que escreveu um diário magnífico sobre a formação e a consolidação do escritor: Julio Ramón Ribeyro. Seu livro A tentação do fracasso é maravilhoso. Esses três grandes nomes têm se dedicado a personagens que também são escritores. Mentiria se dissesse que não pensei em Bryce ou Vargas Llosa para escrever o meu romance”, diz Gamboa.

O autor novato conquistou o respeito do veterano Vargas Llosa. “Em 2007, publiquei o livro de contos Ponto de fuga, que teve uma resposta muito boa dos leitores e da crítica. A Alfaguara percebeu que ocorria algo diferente com um livro de estreia. Com esse pequeno prestígio local, propus-me a escrever o romance Contar tudo. Quando o manuscrito estava quase pronto, o texto chegou à agência Carmen Balcells, por intermédio de Mario Vargas Llosa, e provocou forte entusiasmo por lá. Em seguida, foi vendido para ser publicado na América do Sul. Algumas traduções também foram negociadas. O livro suscitou muitas reações e foi um fenômeno de vendas, especialmente no Peru”, conta.



AUDÁCIA O chileno Alejandro Zambra foi citado pelo autor catalão Enrique Vila-Matas como um dos nomes de destaque da literatura contemporânea da América Latina. Também mereceram atenção do veterano a mexicana Valeria Luiselli e os brasileiros Vanessa Barbara, Antonio Prata e Carola Saavedra.

Zambra diz que nesses países há autores talentosos dispostos a escrever com ousadia. Audácia, aliás, é uma das marcas do chileno, dono dos textos enxutos e precisos que podem ser conferidos em Bonsai, que ganhou edição brasileira.

Entrevista

Alejandro Zambra
Escritor chileno

“A escrita dissolve intenções”

Você é apontado como um dos grandes nomes da nova geração de escritores da língua espanhola. Como recebe essa avaliação?
Fico feliz que os livros estejam com alguns leitores. Todo o resto também é satisfatório, mas não acredito muito em reputações e rankings.

Trabalhar com poesia influenciou a sua maneira de escrever romance?
Acho que sim, pelo desejo de intensidade máxima. E porque a tradição da poesia chilena é impressionante.

Por que você parou de publicar poesia?
A partir de Mudanza, não escrevi algo de que realmente tenha gostado. Nunca parei de escrever poesia, mas nada que gostaria de compartilhar com os leitores.

Você acha que a literatura pode captar a complexidade de sentimentos?

A literatura mostra sempre uma complexidade. Isso não significa simplificar, escrevemos e lemos porque os livros nos permitem falar em vários níveis, dizer muitas coisas ao mesmo tempo.

Não há mais dor ou felicidade em romances contemporâneos?
Acho que é sempre uma mistura.

Até algum tempo atrás, o Brasil e o Chile tiveram que lidar com situações políticas conturbadas, algo menos presente na vida das novas gerações. Hoje em dia, há espaço para a política na literatura?
Acredito que a política é apresentada em Bonsai e outros livros meus. É impossível que a história não esteja inscrita no texto – às vezes mais explícita, às vezes menos.

Em Formas de voltar para casa, há uma construção narrativa em termos políticos. A história de países latino-americanos, especialmente aqueles que experimentaram períodos de ditadura, merece ganhar mais espaço na literatura?
Acho que todos deveriam escrever o que querem escrever, sem regras, sem disciplinas obrigatórias. A história sempre aparece de alguma forma. Escrevem-se romances sem intenções; a escrita dissolve intenções.

É necessária a reconciliação com o passado?

É necessário colocar em tensão nossos desejos, nossos preconceitos e nossas convicções privadas. Mas artificialmente, por puro desejo de unidade. Acho que precisamos nos interrogar, radicalmente, sobre os lugares que ocupamos.

Quais são os seus próximos projetos?

Este ano, será lançado no Brasil Meus documentos, um livro de relatos ainda inédito. É um fac-símile, um livro-teste. Não é romance nem poesia, mas é ficção. Pela primeira vez na vida, estou trabalhando em várias coisas ao mesmo tempo: um ensaio e dois romances. Mas não me atrevo a dizer em que eles vão resultar.


CONTAR TUDO
• De Jeremías Gamboa
• Alfaguara
• 536 páginas
• R$ 59,90


BONSAI
• De Alejandro Zambra
• Cosac Naify
• 96 páginas
• R$ 27

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