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A utopia do caminho

Cineasta Maurice Capovilla, um dos responsáveis pela inovação do documentário nacional, fala sobre as lições aprendidas e a influência que o esporte trouxe para a sua obra e para sua arte

Carolina Braga*

Tiradentes – Da época em que era coroinha em Valinhos, no interior de São Paulo, o cineasta Maurice Capovilla recorda-se, basicamente, da função musical atribuída a ele: tocar a matraca, aquele pedaço de madeira com um ferro no meio que dá o sinal nas procissões da semana santa. O pai era amigo do padre, a mãe também era conhecida na comunidade. Foi assim que o menino de 12 anos começou a contribuir nas cerimônias. Hoje, as cenas da igreja viraram memórias de um tempo distante. Aos 79 anos, Capô, como é conhecido no meio do cinema, não se diz um homem religioso. “Foi pouco tempo, porque logo fui jogar futebol”, lembra o ex-integrante da equipe juvenil do Guarani.

Do esporte, sim, tem mais gosto em falar. Afinal, é do campo que tirou boa parte dos ensinamentos que ainda hoje leva para os sets de filmagem. “Uma equipe de cinema é como um time de futebol. Se o fotógrafo errar a luz, é como um goleiro que toma um gol. Foi ali que aprendi a trabalhar em comunidade cultural e também esportiva. É uma lição de sociabilidade”, garante. Veio também do esporte a lição de que o mundo tem regras a serem seguidas. Ou não. No caso da carreira que começou a se delinear em 1958, quando Capovilla começou a colaborar com a Cinemateca Brasileira, houve sempre uma busca por fazer diferente. Propor alternativas ao padrão.

Maurice Capovilla concorda que o cinema que faz é de circunstâncias. A escolha dos temas é norteada pelo que ele vive. Se a paixão pelo esporte esteve contemplada em Subterrâneos do futebol (1965), a cultura de massa também fez parte de seu universo em Bebel, garota-propaganda (1968), como também reflexões sobre a pobreza em O profeta da fome (1970), e até o universo dos botequins em O jogo da vida, (1977). Essa é a regra em sua filmografia, que soma pelo menos 11 títulos como diretor. “O documentário dá essa leveza e liberdade de viajar para onde quiser. Então, isso talvez seja uma maneira de viver. Querendo conhecer muito mais do que seria possível se ficasse estático em um mesmo lugar”, reflete. Capô garante que boa parte do que aprendeu foi na prática.

Hoje, assume sem o menor pudor que o que mais gosta de fazer nas horas vagas é ver televisão. É onde estão os filmes e principalmente as séries. Não pense que ele é um homem de gosto comum. A atual preferida do artista é O governo, da Dinamarca. A ânsia pelo consumo audiovisual vem de longa data. “Quando entrava na Cinemateca, ou ficava organizando os filmes ou ia fazer filme. Comecei a filmar e assim aprendi.”

JORNALISMO E AUDIOVISUAL


Capovilla fez faculdade de jornalismo, quando foi aluno de Paulo Emílio Salles Gomes, com quem, segundo ele, conheceu o que é linguagem. Em meio à bagagem acadêmica, consumiu tudo o que pôde no setor audiovisual, todo o cinema italiano dos anos 1950 e 1960, o francês, com a nouvelle vague, além da produção russa soviética e japonesa. A partir de várias fontes criativas e estilos totalmente diferentes, aprendeu a refutar tudo o que poderia soar parecido com outra coisa. “É a indústria que copia aquilo que dá. O cinema não seria o que é, não evoluiria como evoluiu se não fossem os artistas, se não fossem os criadores. São eles que estabelecem a linguagem”, assegura.

Se é assim, dá um sorriso tímido quando é posto no grupo dos cineastas brasileiros responsáveis pela inovação do documentário nacional. Inclusive aquele feito para a televisão. Ao lado de Walter Lima Jr., Eduardo Coutinho e João Batista de Andrade, trabalhou nos tempos áureos do Globo repórter, da Globo, entre 1971 e 1976. “Ao final, o jornalismo assumiu e, aí, acabou”, lamenta. Para Capovilla, falar em documentário é também fazer paralelo com o jornalismo. “O jornalista tem a ideia pronta e precisa constatar. Para o documentarista, sempre falta algo, ele está atrás do que não existe”.

Capovilla compartilha com o mestre argentino Fernando Birra a ideia de que o documentário é uma utopia. “Certa vez, um aluno de Birra perguntou o que é utopia. O professor respondeu que é como se você visse o horizonte e, quanto mais tenta se aproximar, mais ele se afasta. O aluno pergunta: para que serve?. Birra respondeu: para caminhar. Isso é o cinema.”

Na recente passagem pela 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes, os pequenos olhos azuis do diretor brilharam. Aos 79 anos, Maurice Capovilla passou por uma experiência inédita em sua vida. “Nunca tive uma plateia desse jeito”, disse, diante do público que esperava no Largo das Forras, em Tiradentes, a sessão de estreia de Nervos de aço, seu novo filme. Na linha do cinema circunstancial que marca a carreira, chegou a hora da música. O longa é um mergulho na obra do gaúcho Lupicínio Rodrigues.

“Em vez de tentar fazer um perfil do músico, fiz a música dele”, conta. Para elaborar o roteiro, Capô se debruçou nas letras das canções. “Lupicínio tinha um tema único que era o triângulo amoroso”, observa. Arrigo Barnabé é o protagonista. O filme conta a história do embate de um casal nos bastidores da montagem de um musical.

. A repórter viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes