Traços de modernidade

Monsã, uma vida na ponta do lápis, livro que será lançado hoje, recupera os primórdios da ilustração e da caricatura em Belo Horizonte. Artista foi pioneiro no uso das artes gráficas na imprensa da capital

por 06/12/2014 00:13
Fotos: C/Arte/Reprodução
Fotos: C/Arte/Reprodução (foto: Fotos: C/Arte/Reprodução)
Walter Sebastião



A pesquisa sobre o modernismo em Belo Horizonte avança e traz a público mais uma preciosidade: o livro Monsã, uma vida na ponta do lápis (C/Arte), que vai ser lançado hoje, às11h, no Memorial Minas Gerais, na Praça da Liberdade. Com texto de André Mascarenhas Pereira, Maria Inez Cândido e João Baptista Andrade, Monsã..., apresenta substanciosa amostra da arte de Domingos Xavier de Andrade (São João del-Rei, 1903 – Belo Horizonte, 1940), o Monsã, um dos pioneiros das artes gráficas e do desenho de humor na nova capital de Minas Gerais.

O volume, além de apresentar artista importante para o modernismo e ainda pouco conhecido, abre janela para a cultura gráfica cultivada e desenvolvida a partir dos anos 1930, que ainda hoje permanece viva e ativa em Belo Horizonte. Como mostra de forma eloquente a longevidade de símbolos de clubes, como a Raposa e o Galo, criações de Fernando Pieruccetti (1910-2004), artista que é contemporâneo e integra o grupo de onde provém Monsã. Evidência do vigor desta raiz pode ser a profusão de ilustradores, quadrinistas e designers gráficos desde então, vários deles premiados no Brasil e no mundo.

O volume surgiu a partir de mestrado em história de André Mascarenhas, sob orientação de Regina Helena Alves da Silva, que levou o título de Traços de BH – Contribuição dos caricaturistas para o modernismo na capital. Como o filho do artista, João Baptista Andrade Monsã, se interessou pela publicação do livro, foi formada equipe para a empreitada. Sete textos apresentam as diversas faces da obra de Monsã – caricaturista, ilustrador e artista gráfico –, além de situá-lo no contexto do modernismo. O estudo traz ainda cronologia e inventário de trabalhos do artista dispersos em várias instituições.

“O objetivo do livro sempre foi publicar o máximo de obras do artista, cujo traço dialoga com estéticas modernistas, como a art déco e o expressionismo”, explica André. A opção por volume com catalogação, vinda de inventário do acervo, foi um modo de organizar um trabalho complexo. Trata-se de obra vasta, com realizações em várias áreas e ligada à história de Belo Horizonte. A atuação em equipe possibilitou discussão sobre a pesquisa da obra do artista a partir de vários olhares. “E o resultado é mais do que uma opinião”, observa André Mascarenhas Pereira.

O interesse sobre Monsã nasceu de busca por tema pouco pesquisado para trabalho de pós-graduação. Como estagiário na Superintendência de Museus de Minas Gerais, André ficou impressionado com a dimensão social do desenho de Fernando Pieruccetti, que está no acervo do Museu Mineiro. Começou então a levantar informações sobre a obra. “E vi que existia, em Belo Horizonte, uma geração importante de chargistas e caricaturistas”, recorda. Monsã – Uma vida na ponta do lápis é livro pioneiro na reunião e estudo de obra de artistas de Belo Horizonte que trabalham com humor.

Chargistas e humoristas, observa André Mascarenhas, ainda são artistas pouco considerados em Belo Horizonte. Por desatenção com a história da cidade ou talvez devido à pouca valorização do humor gráfico como forma de arte. “O que surpreende, já que existem artistas fantásticos”, destaca. Evidência, nesse sentido seria a inexistência de bibliografia sobre o tema, em contraste com muitos estudos em nível nacional. Reverência a esses autores, reconhecendo a importância e inspiração para o trabalho, registra o pesquisador, foram as pesquisas sobre o modernismo de Ivone Luzia Vieira.



Vanguarda


Uma notícia de 1928 do jornal A Manhã, recuperada em Monsã – Uma vida na ponta do lápis, sinaliza a importância do surgimento dos desenhistas e caricaturistas para a vida cultural da então nova capital de Minas Gerais. Diz o texto: “Até há pouco tempo Belo Horizonte não tinha uma revista de arte e isso por um motivo simplíssimo: na capital não havia desenhistas e caricaturistas. Sobravam poetas, prosadores, cronistas, mas não havia lápis ágil que fixasse perfis e, em traços, fizesse a reportagem dos fatos”. Existia, registra o jornalista, revistas benfeitas, mas sem desenhos que trouxessem “traço sutil revelador de um artista”. Foi “a evolução da capital” que fez aparecerem as primeiras revistas ilustradas, registra a matéria jornalística.

Monsã integra grupo que reúne artistas como Delphino Júnior, Fernando Pieruccetti e Érico de Paula, entre outros. Eles se tornaram amigos, suspeita o pesquisador, por ter a mesma idade, trabalhar num mesmo ambiente e cultivar proposta de realizar trabalho inovador. “E que, por isso, se identificaram com outros criadores que tinham o mesmo ideal.” Mascarenhas lembra a afinidade da turma com escritores, poetas, pintores e arquitetos modernistas. “Era grupo consciente de sua importância, com sentido de missa, o que, para mim, significa uma vanguarda”, argumenta.

“Com as caricaturas os artistas registram as novidades trazidas pela modernidade, como o automóvel, a luz elétrica e a moda. Mostram ainda momento de transformação e os conflitos entre novos e velhos hábitos”, analisa Mascarenhas. Vem da turma a visão crítica, inclusive da modernidade, feita com humor, arma tradicional de ataque às convenções e ao academicismo. O palco por excelência dos artistas serão as publicações, mas os desenhistas atuam na criação de cartazes, desenho arquitetônico e anúncios. Atividade que se expande movida pela chegada de novas tecnologias de impressão.

Do jornal para a sociedade, os desenhos se tornam veículo de muitas mensagens. Além da crítica e do humor na imprensa, oferecem elementos para a nascente indústria da propaganda e para a crescente utilização de cartazes como forma de comunicação, tanto na esfera pública como nos negócios.

Em seus últimos anos de vida, Monsã criaria cartazes para campanhas de esclarecimento em saúde pública, publicidade para loterias e peças publicitárias para a indústria e o comércio. Há, em meio à variedade das mensagens, uma marca autoral, perceptível, por exemplo, na dinâmica do conjunto e na tipografia singular, com letras desenhadas à mão.

Monsã viveu pouco, apenas 37 anos, mas deixou obra que chama a atenção pela criatividade, capacidade de responder às demandas da sociedade de seu tempo e, mesmo sem maior reflexão, pela força que incorpora à nascente visualidade modernista em Minas Gerais.



Monsã – uma vida na ponta do lápis

. De André Mascarenhas Pereira, Maria Inez Cândido e João Baptista Andrade Monsã
. Editora C/Arte, 224 páginas, R$ 60
. Lançamento hoje, às 11h, no Memorial Minas Gerais Vale, Praça da Liberdade, s/nº. Entrada franca.

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