Nem mesmo o mais neófito em pintura deixará de sentir e notar a unidade dentro da variedade de seus trabalhos. Unidade é aquele “borogodó” que o poeta, o escritor, os pintores têm e que os críticos chamam de estilo. Consiste na leitura e na percepção imediata de que se trata de uma poesia de Carlos Drummond de Andrade, um texto de Machado de Assis ou a pintura de um Portinari, contendo elegância e beleza. É o Bracher talentoso, que, descobrindo seu caminho, nunca mais o abandonou, doando ao Brasil um acervo de pinturas que percorrem a Europa neste momento em outras exposições na Suécia, Espanha, Luxemburgo e Alemanha.
Variedade são os diferentes conteúdos, como flores, marinhas, cidades históricas, usinas de aço, teares, caminhões e naturezas-mortas. Bracher é um criador sem fim, capaz de fazer dezenas de leituras da mesma Ouro Preto de sempre, transportada para o suporte de tela em espessas camadas de tinta. Se o leitor se colocar muito perto do quadro, interessado em descobrir essa espessura e o resultado dela, perderá a melhor parte do seu trabalho: a simplicidade enganosa e a perspectiva de mestre. Colocando-se de frente e um pouco distante, perceberá que essa mesma simplicidade é a mola mestra para o quadro que surgiu de sua mão, pincel e tintas e cuja composição já estava visualizada no consciente do artista. É a única explicação para quem o viu pintar em casa ou no vídeo da mesma exposição e se surpreende com o surgir de um retrato personalíssimo ou de uma Ouro Preto leve, como se o pintor fosse um laboratório e a paisagem fosse a revelação de uma fotografia.
Como retrospectiva não poderia ser mais completa: há quadros da década de 1960, quando ele começou e fez sua primeira exposição e já são demonstradores da sua capacidade inventiva. Sorte de quem acreditou nele naquela década. Uma catedral, um retrato do amigo curador, um autorretrato ou ainda a pintura de um caminhão Mack ou a locomotiva aliviando sua pressão são exemplos de um passado repetido no presente. “Repetição” na qual há uma diferença constante, daí a unidade de seus trabalhos. Notará ainda a preferência do pintor pela grande superfície na qual ele e os seus pincéis se sentem à vontade, como se ambos fossem um escritor descrevendo uma cena em parágrafos bem redigidos ou um flautista em longas frases musicais.
Em qualquer época, cada quadro é uma estrofe de um poema com começo, meio e fim e a retrospectiva é o fechamento de um soneto shakespeariano. Seus trabalhos da década de 1970 são reconhecíveis a distância e são um tributo às montanhas de Minas Gerais. Em 1990, Bracher expôs no Museu de Arte da Pampulha uma série de 100 quadros, um marco biográfico, resultado de uma homenagem a Van Gogh, paixão de todos nós, que o pintor fez ao holandês. Alguns quadros dessa exposição estão nesta retrospectiva e, passados 24 anos, despertam a mesma paixão daquela década.
Ateliê
A mostra surpreenderá ainda por duas montagens inusitadas. A primeira é a reprodução do seu ateliê de Ouro Preto, transposto no primeiro andar do CCBB, com todos os detalhes da sua casa na Rua Coronel Alves, na velha Vila Rica: o cavalete “sujo” de tinta ressecada se contrapõe aos livros de arte e uma reprodução do painel Guernica, de Picasso, no alto. Conhecê-lo agora é o mesmo que vê-lo em Ouro Preto.
A segunda é a reprodução do hall de entrada do castelinho dos Bracher, em Juiz de Fora, no qual ele passou sua infância e parte da juventude. Ali ele viu o seu talento ser incentivado pelos pais, apaixonados pela arte e pela música. Nas paredes, alguns quadros de pintores amigos ajudam a compor a afetiva sala da conhecida família de Juiz de Fora.
Há por fim uma observação e ela é de caráter comercial. Os colecionadores e o público interessado sabem que os quadros de Bracher não têm custos altos como os de certos colegas de paleta da mesma idade que a dele. Tanto melhor para quem se interessa por seus trabalhos e ainda não os tem. Arte e mercado de arte são linhas paralelas que não se encontram nem no infinito. Preços de quadros são mistérios daquele mercado, não da qualidade de sua pintura, sempre magistral.
Carlos Perktold é psicanalista. Integra a Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) e o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais