Palco de ideias

As diretoras e atrizes Grace Passô e Juliana Galdino trocam experiências sobre o teatro. Para elas, a arte revela novas facetas do ser humano

por 01/11/2014 00:13
Cristina Horta/EM/D.A Press
Cristina Horta/EM/D.A Press (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Carolina Braga


Brincadeiras sobre caipirinhas e pão de queijo marcam os primeiros minutos do encontro. Dá o tom também da ligeira intimidade que há entre Grace Passô e Juliana Galdino. Não era um encontro de rua, muito menos em um boteco, que poderia garantir o elemento inusitado da cena. Propositalmente, a convite do Festival Estudantil de Teatro (Feto), a atriz, diretora e dramaturga mineira reservou o fim de uma tarde de sexta-feira para trocar ideias com a paulistana, fundadora da Cia. Club Noir com Roberto Alvim e durante oito anos uma das atrizes mais destacadas do Centro de Pesquisas Teatrais, liderado por Antunes Filho.

Por motivos óbvios, o teatro teria que ser o fio condutor do papo. Dada a natureza filosófica das artistas ali reunidas, as trocas de experiências sobre artes cênicas acabaram como coadjuvantes em uma conversa sobre escolhas de vida. “Como não dá para viver sem, é um projeto de vida mesmo”, sintetiza a veterana sobre a companhia fundada com o marido. “Dar certo não é difícil. O difícil é se manter fiel aos seus princípios e trazer novos conceitos para dentro de seu mundo, se relacionar com as pessoas que sejam partidárias do seu desejo”, diz Juliana Galdino.

Embora com trajetórias muito diferentes, não há divergência na maneira como Grace e Juliana encaram o ofício. Enquanto a paulistana fala, Grace se mantém atenta e faz uma ou outra intervenção. Não são perguntas. Trocas de experiência. A correria do dia a dia, as distintas relações que precisamos estabelecer com o tempo abre o papo. “O mundo mudou e está mudando com velocidade maior. As coisas estão sendo comprimidas e somos acachapados com infinitos problemas estúpidos, da ordem ordinária. Isso achata a nossa sensibilidade e o tempo que nos sobra precisamos otimizar ao máximo”, alerta. É o que ela diz procurar fazer.

Otimizar o tempo significa priorizar – e bancar – as próprias escolhas. “Sempre acreditei que tem atores que estão ali por falta de opção e não por escolha. Penso isso porque se você oferece outra coisa, tem gente que sai correndo. Quem fica é porque não tem escolha. Também acredito em seleção natural. Se fincar o pé no que acredita, as coisas andam”, garante. Além de apresentar Comunicação para uma academia na programação do Feto e Tríptico Beckett, no Cine Theatro Brasil, Galdino deu oficinas em Belo Horizonte. Seja aqui ou em qualquer outro lugar onde tem a oportunidade de se encontrar com jovens que escolheram o teatro para a vida, basta um olhar para saber a vocação da figura.

“Consigo ver o que me mostram. Torço para que descubra uma maneira de atuar no mundo e, esteticamente, uma voz singular. Não se trata de timbre, mas de como se colocar no mundo”, ensina. Para a atriz, tem sido cada vez mais frequente se deparar nas diversas oficinas e workshops pelo Brasil com atores engessados, o que não combina com o que ela pensa sobre atuação. “Está tudo certo, mas é um posicionamento de ator, não de gente. Há um padrão de ser ator onde todos são muito parecidos", continua.

A constatação é de que ainda há muita imaturidade. Juliana Galdino acredita que muita gente se apoia em um jeito infantil de encarar o mundo. Se faz qualquer questionamento a resposta de um adolescente ou de um adulto vem como se fosse de uma criança, cheia de justificativas. “Falta a qualidade da franqueza, da retidão. Queremos enfeitar muito uma ilusão que é típica da infância. Dê uma chance ao suficiente. O ser humano se basta por si, não precisa de enfeite. Dê uma chance e será um grande passo para ter um pensamento contínuo em arte”, assegura.

GERAÇÃO ATIVA Com o olhar atento, Grace Passô ouve os comentários da colega e, na primeira intervenção, vem à memória a primeira vez em que viu Juliana Galdino no palco. Em perspectiva, quando observa sua geração na ativa em Belo Horizonte, a mineira detecta que muitas questões essenciais da formação do ator às vezes perdem espaço. O apuro técnico é um deles. “Tivemos menos tempo para trabalhar questões do universo técnico da atuação, mas ao mesmo tempo acho que somos artistas muito preocupados com o discurso”, ressalta.

Para Juliana Galdino, não apenas o teatro, mas o mundo, vive a crise da análise. “A gente analisa muito antes de experenciar as coisas e isso é um problema. Somos artistas e temos que pensar poeticamente. Às vezes, pensamos burocraticamente, criticamente e isso tem que caber a terceiros”, defende. Dentro dessa ânsia pelo discurso, Grace questiona a necessidade que atores, diretores e dramaturgos têm de ser entendidos, de comunicar.

“Essa coisa de ter que comunicar é coisa de marketing, né?”, reflete Passô. “Claro, mas é só produto cultural que a gente faz hoje”, responde Galdino. Para a atriz da Cia. Club Noir, cada espectador vai sorver a obra de acordo com a própria sensibilidade. E todas elas estão certas. É preciso, no entanto, combater a ditadura que existe hoje de que todos precisam entender a mesma coisa. “O espectador não tem que estar preparado para entender nada. Tem que estar disponível”, defende.

Na opinião de Juliana, há muita prepotência das pessoas em achar que ver uma obra de arte uma vez basta para compreendê-la. “É preciso inventar sentidos porque chega uma hora em que aqueles que você tem já não dão conta das novas proposições porque o mundo mudou. Esses novos artistas não param de pensar e inventar novos sintomas e explicitá-los. Formalizar novas facetas do ser humano. Teatro é isso”, conclui.

Trajetória

Juliana Galdino trabalhou entre 1999 e 2006 com o diretor Antunes Filho, em São Paulo. Como Medeia, faturou o Prêmio Shell de melhor atriz em 2002. Com o diretor Roberto Alvim, funda a companhia Club Noir, em 2006, na qual leciona interpretação na Oficina de Atuação, com foco na dramaturgia contemporânea, e atua nos seguintes espetáculos: Anátema, de Roberto Alvim; Homem sem rumo, de Arne Lygre; O quarto, de Harold Pinter; Comunicação a uma academia, de Franz Kafka; e A terrível voz de Satã, de Gregory Motton. Em 2010, estreia como diretora na montagem do espetáculo H.A.M.L.E.T., uma releitura do texto de William Shakespeare feita por Roberto Alvim.

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