As várias faces de DEXTER

O personagem criado por Jeff Lindsay chega à HQ depois de fazer sucesso nas livrarias e na TV. Serial killer surge com ar de tédio e trama ganha outro ritmo

por 04/10/2014 00:13
Dalibor Talajic/reprodução
None (foto: Dalibor Talajic/reprodução )
Valf

Em 2004, o escritor norte-americano Jeff Lindsay lançava o primeiro livro de uma coleção que acabaria se desdobrando em bem-sucedida franquia, que o êxito levaria a ser adaptada para outros meios. Dois anos depois, estreava a série de TV – com ela veio o reconhecimento por parte do grande público. O projeto se desdobrou em jogos de videogame. Depois de oito temporadas, concluiu-se a série televisiva e saíram mais sete livros, todos editados no Brasil. Agora, as aventuras do serial killer Dexter Morgan chegam às histórias em quadrinhos.
O protagonista não é nem um pouco usual. Analista forense e perito em dispersões de manchas de sangue em cenas de crimes, Dexter trabalha para a polícia de Miami. Paralelamente à rotina da vida pessoal e profissional, ele cultiva o lado perverso de sua personalidade: é um misto de assassino serial e justiceiro. Caça criminosos que, por equívoco da Justiça, escaparam da condenação.


 Protagonizado pelo ator Michael C. Hall (de A sete palmos), o seriado de TV tem apenas a sua primeira temporada baseada diretamente nos livros de Lindsay – mais precisamente, no volume de estreia. Rumos distintos foram adotados. Personagens, tramas e situações passaram a ter peso e importância diferentes, se compararmos os romances aos episódios da TV. Isso ocorre até mesmo com o protagonista.


Enquanto o Dexter dos livros mantém o ímpeto assassino de forma fria e metódica, o da TV é pressionado por conflitos e indagações que, de certa forma, abalam o paradigma do sociopata clássico, um sujeito sem remorsos, ressentimento ou consciência.
A discussão sobre a melhor faceta do protagonista não encontra consenso entre os fãs, tornando-se uma questão de gosto particular. A versão dos quadrinhos é mais fiel à proposta literária. Isso é natural, em se tratando de um roteiro escrito pelo próprio criador da série – os episódios da TV eram produzidos por autores diferentes.
Os desenhos ficaram a cargo de Dalibor Talajic, artista de origem croata. Em seu currículo já constavam participações em HQs de personagens importantes do universo Marvel, como X-men, Justiceiro e Deadpool.

Humor Publicada originalmente nos EUA em cinco partes, a versão brasileira ganhou bem cuidado volume com capa dura e acabamento em verniz. Acertadamente, compila-se a história completa, trazendo as capas de cada edição ilustradas pelo artista canadense Michael Del Mundo. Opção correta: esse ilustrador já demonstrava em outras capas (Elektra, Hulk, Deadpool) um senso de humor próprio, que traduz muito bem o dualismo de Dexter.
Como se vê na abertura do seriado de TV, Del Mundo incorpora a situações do cotidiano sutis elementos externos à cena, que causam estranhamento e um ótimo impacto. Destaca-se a capa do número 2, em que Dexter, sentado à mesa de um restaurante, degusta o prato de salmão acompanhado não por uma garrafa de vinho, mas por um coquetel molotov.

Mudou Quem está familiarizado com o universo criado por Jeff Lindsay vai notar: a versão HQ traz algumas mudanças importantes. Diferentemente de adaptações de séries de sucesso para os quadrinhos, como Arquivo X, que aproveitava ao máximo as características físicas dos atores David Duchovny e Gillian Anderson, os coadjuvantes da versão de Dexter em nada lembram os da televisão. Por ter linguagem mais concisa, essa adaptação foca a ação no protagonista e em sua irmã, Deborah, suprimindo a variada gama de personagens (pelo menos no primeiro volume).


Se na TV é eficaz a tentativa de interação de Dexter com a sociedade para não levantar suspeitas sobre suas ações – sobretudo levando-se em conta o trabalho do ator Michael C. Hall, com suas mudanças de expressão e diálogos com o espectador –, o mesmo não ocorre nos quadrinhos. Passagens sutis se perdem: o Dexter da HQ tem expressão entediada, o que enfraquece um importante aspecto dramático.


Por outro lado, a liberdade da representação gráfica trazida pelo desenho possibilita a introdução de elementos narrativos importantes. O “passageiro sombrio”, espécie de voz interior que comanda a faceta homicida de Dexter, surge agora como personagem, uma sinistra figura disforme. Cenários se transformam em um misto de sombras e fumaça, reafirmando a condição dos mundos paralelos vividos pelo protagonista.
O Dexter da HQ tem ingredientes para agradar tanto aos fãs do universo do serial killer quanto aos amantes da nona arte. O resultado é positivo, embora a estreia de Jeff Lindsay como roteirista peque em algo comum a várias produções recentes: o ritmo. O desenvolvimento da trama, dos personagens e do clima é bem conduzido, porém há problemas no arremate. Fica a impressão de que a parte final é acelerada para resolver a trama, prejudicando a conclusão. Com isso, perde-se a qualidade construída até então.

Valf é ilustrador

 

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