Um país em construção

por 20/09/2014 00:13
João Paulo

O interesse pela história do Brasil é cada vez maior. O resultado pode ser percebido em vários projetos de livros voltados para o leitor não especializado, no sucesso das histórias narrativas e biografias, na criação de revistas vendidas em bancas, em filmes documentários e de ficção, em exposições que vêm atraindo grande interesse, em festivais e encontros, e até mesmo de histórias em quadrinhos sobre temas da memória nacional. Na busca por leituras mais consistentes, o leitor tem sido servido com vários projetos coletivos, que evidenciam duas tendências: a abertura da academia ao diálogo com a cidadania despertada pelo interesse acerca da história, e a busca de novos ângulos e enquadramentos para representar o passado e sua inescapável presença.

Assim, ao lado de obras pioneiras como História da civilização brasileira, em 11 volumes, dirigida por Sérgio Buarque de Hollanda e Boris Fausto, surgem séries como O Brasil republicano, em quatro volumes, coordenada por Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado; Brasil imperial, em três tomos, organizada por Keila Grimberg e Ricardo Salles; e, com foco na história das mentalidades, a excepcional coleção em cinco volumes da História da vida privada no Brasil, dirigida por Fernando Novais. Vale a pena destacar a História de Minas Gerais, que já editou os quatro volumes de Minas setecentista e A província de Minas, com organização de Luiz Carlos Vilalta e Maria Efigênia Lage de Resende.

História do Brasil Nação: 1808-2010 é, ao mesmo tempo, herdeira e continuidade desse processo de produção de conhecimento e divulgação de informações históricas a um público mais amplo. A obra faz parte de um projeto internacional voltado para a história da América Latina e já teve edições em vários países. No Brasil, sob a direção de Lilia Moritz Schwarcz, a série ganhou novo nome, destacando a ideia de “nação”, que não consta do projeto original.

Com teor interpretativo assumido, História do Brasil Nação tem por isso uma vocação ensaística que distingue o projeto de outras obras de caráter mais enciclopédico e convencional. A escolha dos ensaístas e coordenadores de cada volume traz ainda uma saudável abertura a autores de diversas universidades e institutos de pesquisa, do Brasil e do exterior, o que defende o trabalho da filiação a escolas, em nome da diversidade. Isso resulta em interpretações originais em várias passagens da obra, além de diálogo com questões que ainda hoje parecem fazer parte do DNA do Brasil nação.

Injustiça


Assim, entre outros temas, os cinco volumes da obra interrogam os leitores sobre muitas questões fundamentais de nossa trajetória como sociedade. Como a insidiosa discriminação racial que perpassa os séculos, a injustiça social e a forma cambiante de integração no contexto internacional. Ou as relações entre a economia e as mudanças na forma de produção e a tendência à emulação da Europa e, mais tarde, dos EUA. Ou ainda a defesa de uma condição falsa de coexistência pacífica entre as classes, o difícil processo de constituição da cidadania e a tendência aos arranjos patrimonialistas e pessoais.

O Brasil, em vários momentos de sua história, evidencia a subjugação da universalidade da lei em nome de interesses particulares, o predomínio da esfera privada sobre a pública, o papel preponderante do Estado como indutor de civilização. O recurso à força como instrumento de paralisação do processo de ampliação de direitos, a inserção muitas vezes enviesada na dinâmica continental e a capacidade de enfrentar o autoritarismo a partir de formas singulares de protagonismo político são outros temas que surgem em vários momentos.

A se destacar no método empreendido pela obra a importância conferida a dois aspectos nem sempre tomados com o mesmo grau de importância dado à economia, à política e à vida social: as relações internacionais e a cultura. No primeiro caso, trata-se de uma escolha que coloca a história brasileira em permanente conexão com seu tempo e com as determinações externas, que marcam nossa origem e, de certa forma, carimbam nossas opções em relação ao futuro. Ao tematizar o “Brasil no mundo”, fica claro que as relações internacionais são um imperativo para tudo que se postule em matéria de política e economia, sobretudo em suas trocas com a América Latina. Sempre decisivas para o país, as relações internacionais deixaram suas marcas nas opções seguidas no correr da história, mesmo quando a ideia de globalização não havia nem sequer sido formulada e a palavra “Brasil” não se pronunciava sem que “Portugal” fizesse parte da mesma sentença.

Antena

No caso da cultura, mais que uma ilustração ou tradução em outro registro do processo de constituição da identidade nacional, o que se percebe é uma força ao mesmo tempo instauradora, crítica e criativa. Como pensar a nação brasileira independentemente do romantismo, do nacionalismo, da revolução do modernismo, das criações da tropicália e mesmo da massificação que chega como o mercado e a indústria cultural? A cultura, no curso da história, se mostrou uma antena que não apenas capta o novo em estado de feitura, mas que emite sinais que podem redimensionar nossa compreensão do país. Em matéria de história e cultura, a melhor metáfora continua sendo a da construção. Somos, mais que testemunhos, herdeiros de uma tarefa muito longe de chegar ao fim.

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