O sentido das palavras

O carioca Alex Andrade mistura prosa e poesia no livro de contos Poema. Arthur Rimbaud, Drummond, Manuel Bandeira, Adélia Prado e Paulo Leminski são cúmplices desta proeza

por 20/09/2014 00:13
André di Bernardi Batista Mendes

A editora carioca Confraria do Vento acaba de lançar Poema, de Alex Andrade. Dedicado aos poetas, dedicado aos poemas, o escritor mostra nesta pequena, mas consistente, coletânea de contos um talento que nasce da simplicidade. Ele viaja com desenvoltura pelo universo de suas palavras, signos que nascem de forma natural, dentro de um fluxo narrativo que prende e cativa o leitor desde o primeiro texto, “Minhas noites com Rimbaud”.

São textos que chegam adornados de nostalgia, salpicados de melancolia, no que esses sentimentos trazem de mais intenso, no que esses poderosos sentimentos guardam de perturbação – e poesia.

Cabem nesse universo, caldeirão propício, as relações, as simples relações do dia a dia, que, no entanto, atormentam bem mais do que deviam. Cabem nesse contexto as pontas de todos os conflitos, diferenças, mágoas e tristezas que definem e redefinem o caminhar de todos, entre a dureza das ruas, diante dos abismos, diante da altura de prédios feitos da mais pura pedra – o outro nome da solidão. Sabidamente, Alex Andrade inventa portas e janelas para tudo isso.


O escritor carrega altas voltagens de sentimento e nos oferece um livro não menos perturbador. Sem firulas, sem maiores périplos, Alex Andrade tem uma longa e boa predileção pelo simples. Você começa os contos e termina, numa linearidade positiva, com uma espécie de calma que apazigua e faz acordar. São contos singelos, desprovidos de ornatos. O gênero conto tem essa peculiaridade, ele exige correção e objetividade.

Por isso, o surgimento de palavras, de textos – que podem ser, no caso, contos. Resta ao leitor embarcar nesta viagem sem retorno. Resta ao leitor abrir as muitas portas, abrir aquelas janelas que escancaram um vento que vai até o nosso universo interior. A leitura é um dos atos mais solitários.

Dentro de um livro cabem fogos e afetos, amargas doses de solidão permeada de dúvida, mas, o que é melhor, há esperança. Isso porque, em cada conto, há a intervenção, a intromissão de um poeta, que surge para salvar, para ampliar a alma de tantos personagens ordinários: Arthur Rimbaud, Drummond, Manuel Bandeira, Adélia Prado, Fernando Pessoa, Torquato Neto, Ferreira Gullar, Paulo Leminski, Mario Quintana.

Alex Andrade mostra, assim, desenvoltura e carinho com o seu ofício. Ele sugere que tem um estilo, digamos, sutil, que preza sutilezas, com ecos que reverberam para o que há de mais amplo no mundo, no cotidiano que oprime ao mesmo tempo que ensina. Ainda que existam cidades, aqueles prédios, aquela sempre falta de casas e árvores. A literatura, os contos de Alex Andrade podem ser um parque, uma clareira, um oásis, uma pequena porção de terra propícia a flores e jardins.

Feitiço e magia Cabem poemas no conto, na prosa de Alex Andrade. A poesia é muito irmã do feitiço e da magia. “Quem faz um poema salva um afogado”, disse Mario Quintana. A solidão dos personagens de Poema encontra refúgio nas palavras. Alex Andrade também fala da lua, “branca, redonda, cheia, bem cheia”, fala de situações feitas de neblina e sonho, situações que descem do extraordinário, do surreal que a vida e os desejos escancaram da forma mais descarada.

Alex Andrade, com sua literatura, parece dar a mão para pessoas prestes a desabar. Fechar os olhos, mesmo por instantes, pode ser perigoso quando tudo despenca. A poesia sopra, sempre, com a elegância de um vento leve: há coisas que pairam, que flutuam num céu de nuvens e estrelas. Alex Andrade, com seus contos feitos, escorados em uma grande poesia, não tem medo de percalços, portas cheias de trincos, inconveniências, bisbilhotices, melodias, silêncios descomunais, sensações estranhas de que só a beleza sabe, aflições, desamparos; ou seja, essas grandezas inúteis, essas vertigens.

Alex Andrade nasceu no Rio de Janeiro, é escritor e arte-educador. Publicou os livros infantis A galinha malcriada e O pequeno Hamlet; o volume de contos A suspeita da imperfeição; e o romance Longe dos olhos.

Três perguntas para...
ALEX ANDRADE
Escritor
Como surgiu o nome para o livro?

O título Poema se dá por conta da personagem presente no conto, que se chama “Poema”. Uma personagem que, diante da impossibilidade de ser feliz, descobre a “tal” felicidade ao esbarrar com o personagem Fernando, um homem misterioso, com seu chapéu e óculos, que lhe indica o caminho para tal. Mas que é momentâneo. Todos os contos homenageiam um poeta específico.

De que forma a poesia interfere nos contos do seu livro?

 A história do livro foi inspirada pela poesia dos poetas que fazem parte da minha memória afetiva. Cada conto foi sendo escrito e, de repente, fui pesquisar a poesia daquele poeta que queria homenagear. Incrivelmente, a poesia se encaixava perfeitamente naquele momento da história, como se estivesse fazendo uma parceria com eles. Tudo foi surgindo naturalmente. Tinha os meus poetas prediletos e queria homenageá-los, acho que eles foram, através da minha inspiração, indicando os caminhos para que cada poesia ficasse tão bem encaixada como ficou. Eu queria falar de poesia e de alma.

De que forma você transita pelos outros gêneros da literatura?

Na verdade, sempre escrevi literatura adulta, sempre escrevi contos, meu primeiro livro dos anos 2000 é um livro de contos. A literatura infantil também está presente na minha vida, porque sempre trabalhei e ainda trabalho com crianças. Sou arte-educador e professor de teatro em escolas do Rio de Janeiro. A minha relação com a literatura não tem idade. Faço literatura.

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