A que será que se destina?

Ensaísta questiona intelectuais, escritores e cientistas sobre a origem da existência

por 06/09/2014 00:13
James Duncan/divulgação
None (foto: James Duncan/divulgação)
Luana Brasil/Especial para o EM


Em algum instante, todos nos flagramos em divagações sobre a questão mais elementar de todas: por que existimos em um universo cuja criação não conseguimos entender? O filósofo, matemático e escritor nova-iorquino Jim Holt concentrou esforços intelectuais na compreensão e exploração desse tema tão obscuro da filosofia metafísica. O resultado de sua busca está no livro Por que o mundo existe? – Um mistério existencial, lançado em 2013 nos Estados Unidos e traduzido recentemente para o português.

Nas 300 páginas do best-seller, o ensaísta da revista New Yorker e colunista do jornal New York Times conduz o leitor por uma espirituosa e erudita aventura pelas ruas de Paris, Londres e Austin, onde escuta um elenco variado de filósofos, cientistas e romancistas em sua busca por respostas à questão primordial.


O que o motivou a escrever Por que o mundo existe...?
Existe uma razão fundamental para a existência do universo e para a nossa presença nele? Talvez não. Mas, se existe, gostaria de saber qual é e por todos os meios necessários: científicos, filosóficos, teológicos ou místicos. Penso como o grande físico John Archibald Wheeler, que disse: “Quero saber: como surgiu o quantum? Como surgiu o universo? Como surgiu a existência?”. Com essa atitude, dei início ao trabalho.

Quais as diferenças entre as narrativas científicas e religiosas para explicar tal questão? Estariam naquela frase do químico Max Planck: “Para os crentes, Deus está no começo de tudo; para os cientistas, ao final de cada reflexão”?
Em última análise, as narrativas científicas e religiosas falham pela mesma razão. Ambas deixam um resíduo misterioso. A ciência diz que achamos as leis da natureza e podemos usá-las para explicar como o universo inteiro veio a ser: é uma flutuação quântica pelo puro nada. Mas a ciência não pode dizer por que essas leis particulares (as leis da Teoria Quântica de Campos) prevalecem sobre todas as outras leis logicamente possíveis. Além disso, elas são, ao fim, apenas equações. Feitas de matemática. O grande físico Stephen Hawking perguntou: “O que é que cospe fogo nessas equações e faz um universo para elas descreverem?”. A religião diz que o mundo existe porque Deus, na sua infinita bondade e poder infinito, o criou a partir do absoluto nada. Pondo de lado a questão de saber se tal deus existe – eu mesmo não acredito que haja tal entidade –, resta o mistério da existência do próprio Deus. Um dos mais brilhantes pensadores com quem falei, um filósofo da religião da Universidade de Oxford, postulou a Deus a explicação última do universo, mas depois admitiu que o próprio Deus era inexplicável. Uma espécie de absurdo eterno.

O senhor diz que tentou extrapolar as possíveis respostas religiosas e científicas para o mistério da existência. No entanto, caiu na dualidade da simplicidade e da totalidade. Como é isso?

Quis ir além das explicações convencionais para a existência do mundo – Deus versus ciência – e ver que outras possibilidades existiam. Depois de considerar as muitas hipóteses engenhosas dos físicos e filósofos com quem falei, acabei com dois princípios básicos: simplicidade, um princípio fundamental da ciência, e plenitude, um princípio filosófico que remonta a Platão. É a tensão entre simplicidade e plenitude que produz algo como uma explicação definitiva para a existência do mundo. Ironicamente, essa tensão implica que o mundo não deve nem ser simples nem complexo, mas algo que permanece entre o infinito, o incompleto, o medíocre, a bagunça cósmica, a ordem, o caos, a bondade, a maldade, o significado e o absurdo.

Se Deus fez o universo, ele seria perfeito, diz o senhor. No entanto, estamos muito aquém da perfeição. Contudo, parece-me que a ideia que mais o seduz é a de um universo sem princípio nem fim, que simplesmente é.

A evidência cosmológica atual, longe de ser conclusiva, sugere que o universo observável tem cerca de 13,8 bilhões de anos, mas faz parte de um multiverso maior, que pode muito bem ser eterno. Sou agnóstico sobre a questão se o universo é finito no tempo ou eterno – embora, se tivesse que adivinhar, apostaria em eterno. A própria natureza do tempo ainda é intrigante. Gastei páginas e mais páginas do meu livro considerando o que físicos e filósofos tinham a dizer sobre esta questão.

Um universo que apenas exista, sem origem nem fim, não exige o mesmo grau de crença e razão que todos os outros? Não seria, talvez, a mais reconfortante e bela hipótese?
Você quer dizer um universo que exista para nenhuma outra razão? É nisso que o grande filósofo britânico Bertrand Russell acreditava. “Devo dizer que o universo apenas é, e isso é tudo”, declarou lorde Russell em um debate com um padre jesuíta. Não acho essa visão particularmente bonita ou reconfortante, a minha principal preocupação é saber se ela é verdadeira. Quero empurrar o inquérito sobre a razão da existência do mundo tanto quanto ele puder ir, da física à metafísica e além.

Embora filósofo, o senhor faz uma abordagem jornalística sobre o tema, buscando em diferentes fontes as respostas mais variadas à sua pergunta. Por que usou essa metodologia?
Certa vez, um amigo meu, o romancista inglês Martin Amis, disse: “Estamos cerca de cinco einsteins longe do entendimento da razão de existência do universo”. Queria sair e encontrar os cinco einsteins e ver o que eles tinham a dizer. Certamente, não sou nenhum Einstein. Como interroguei um pensador genial depois do outro, nenhum dos quais poderia fornecer a resposta completa, o enigma existencial lentamente começou a se encaixar.

Que autores deve ler alguém que queira entender melhor os conceitos de metafísica, cosmologia e ciência que você cita em seu livro?
Difícil responder a esta pergunta… Para mim, tem sido uma vida inteira de leituras. E não apenas leitura, mas discussões infinitas com muitos amigos que são físicos, filósofos e estudam física quântica e teoria da relatividade em um nível matemático muito sério. Na verdade, trabalhando os problemas e fazendo cálculos para ter uma ideia de como os conceitos funcionam. Acho importante a literatura filosófica clássica de Platão a Leibiniz, de Sartre a Heidegger. E também, acredite ou não, muita poesia. Se tivesse que recomendar um único livro contemporâneo, ele seria A mente de Deus (1992), do físico australiano Paul Davies.

Por que a capa de seu livro traz a foto de um garçom observando um casal em frente ao Cafè de Flore, em Paris?

Para mim, o Cafè de Flore é o marco zero para o mistério da existência. Foi lá que Sartre escreveu a maior parte de O ser e o nada, durante a Segunda Guerra Mundial. Descartes está enterrado na igreja do outro lado da praça. E Leibiniz vivia em frente à rua do futuro Cafè de Flore, quando começou a contemplar a grande questão: por que existe algo e não o nada? E mais: se você vagar tempo suficiente pelo Cafè de Flore, qualquer um que queira eventualmente encontrar passará por lá.

É da essência humana o uso da racionalidade e a incessante busca de significado em tudo. A explicação para o dilema que você investiga não seria apenas uma construção do pensamento humano, em vez de um fato objetivo externo à mente?

Refletimos sobre a existência porque prevemos a nossa própria morte. Você e eu sabemos que, se as coisas tivessem acontecido um pouquinho diferente – se nossos pais não tivessem se encontrado –, nunca chegaríamos a ser. Não seríamos. Inconscientes. Nada. Não consigo deixar de ser obcecado pelo mistério da existência. Não acho que vá acabar com uma perspectiva deísta do mundo. Mas tenho muita diversão intelectual. Não é isso, em grande parte, o que torna a vida digna de ser vivida?

POR QUE O MUNDO EXISTE?UM MISTÉRIO EXISTENCIAL

• De Jim Holt
• Editora Intrínseca, 320 páginas, R$ 29,90

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