Perto do limite

Jornalista norte-americano lança Contagem regressiva, livro que estuda os grandes dilemas do crescimento populacional e propõe alternativas para a sobrevivência da humanidade

por 30/08/2014 00:13
bill steeen/Little Brown/Divulgação
bill steeen/Little Brown/Divulgação (foto: bill steeen/Little Brown/Divulgação)
Nahima Maciel

Alan Weisman não é um pessimista. Ao contrário, acredita na raça humana. E muito. Mesmo assim, é enfático ao afirmar que o homem ultrapassou o limite sustentável de presença na Terra. Somos muitos e não paramos de crescer. E corremos o risco de virar um problema para todos os seres vivos que habitam o mesmo espaço que nós. Em números: existem mais de 7 bilhões de pessoas no mundo e a perspectiva da Organização das Nações Unidas (ONU) é que se chegue a mais de 10 bilhões até o final do século. Um número que, segundo Weisman, é insustentável, já que o crescimento populacional vem atrelado ao crescimento econômico, o que implicaria mais consumo em todas as esferas, inclusive a alimentícia.


Preocupado com o tema, o jornalista e escritor norte-americano decidiu investigar como cientistas, pesquisadores, políticos e pensadores do mundo inteiro lidam com o tema da superpopulação. O resultado está em Contagem regressiva – A nossa última e melhor esperança para um futuro na Terra, publicado no início do ano nos Estados Unidos e no Brasil este mês. Weisman visitou 21 países nos cinco continentes para saber como as nações nas quais o quesito populacional é um ponto crítico – e aqui entram não apenas Índia e Paquistão, dois dos que mais crescem no mundo, como também o Japão, cuja população está encolhendo – enfrentam o problema.


Weisman não é adepto da política do filho único adotada pela China. Como bom americano, ele acredita na democracia em todos os sentidos e defende que cada ser humano tem o direito de escolher quantos filhos quer ter. É nas políticas públicas de acesso à contracepção que ele aposta. “Não acho que a superpopulação seja um problema político. Dar acesso aos métodos de controle de natalidade é uma coisa que interessa a todo mundo, independentemente de ser liberal ou conservador. Dar às pessoas a escolha de fazer o que quiserem, de ter quantos filhos quiserem, parece ser a maneira mais efetiva de controlar a natalidade. Você tem que tornar os contraceptivos acessíveis. E isso não é caro”, garante, em entrevista ao Pensar.

 

Como conciliar controle de natalidade com política, democracia e educação?
Não acho que seja um problema político. Hoje, o mundo gasta US$ 4 bilhões por ano fornecendo contraceptivos. O dobro seria suficiente para cobrir todas as pessoas no mundo que quisessem usar alguma forma de contracepção para decidir quantos filhos ter. Na verdade, US$ 8 bilhões de dólares não é muito dinheiro, é o quanto meu país está gastando no Iraque e no Afeganistão por mês. Esta é realmente uma maneira barata de resolver o problema do acesso à contracepção. E há também a questão da educação. Em todos os lugares onde fui, ricos ou pobres, a maneira mais rápida de estabelecer programas de controle de natalidade e implantar algo saudável e sustentável é educando as mulheres. Uma menina que vai à escola, uma vez que termina os estudos, acha mais interessante e economicamente mais vantajoso ir trabalhar. É muito caro e difícil educar uma criança e, ao mesmo tempo, trabalhar e construir uma carreira. Uma mulher educada, com ensino médio, sempre vai escolher ter menos filhos. E isso ocorre no mundo inteiro. Se um casal tiver dois filhos, estará se substituindo e a população não cresce. Mas muitas pessoas escolhem ter menos. E se escolherem isso, a população encolhe e poderemos voltar para um nível mais saudável.

Por que o controle de natalidade é um tema tabu em muitos países?

O problema é que quando as pessoas pensam em controle de natalidade, pensam em medidas coercitivas e programas de repressão, como a política do filho único da China. No entanto, o projeto de maior sucesso que encontrei no mundo inteiro foi um programa voluntário que dava às pessoas o acesso ao contraceptivo e deixava que elas despertassem o próprio interesse. E um exemplo disso é o Irã. Logo depois da revolução, eles foram atacados pelo Iraque porque Saddam Hussein queria alargar as fronteiras. O aitaolá encorajou cada mulher iraniana a assumir um compromisso patriótico e ficar grávida para que se construísse um exército de 21 milhões de homens. Oito anos depois, quando a guerra terminou, os economistas que montaram o programa de incentivo se deram conta de que tinham em mãos um problema enorme, porque todas as crianças cresceriam e a economia não estava preparada para empregar todos.

E que providências tomaram diante da situação?

Eles alertaram o aiatolá de que um país com tantos homens jovens desempregados é um país muito instável. Foi por isso que o Irã instituiu um programa de controle de natalidade que tornou os contraceptivos acessíveis a todas as mulheres gratuitamente. Cada pessoa ficou livre para decidir quantas crianças queria ter. A única coisa obrigatória era frequentar classes pré-nupciais nas quais se aprendia, entre outras coisas, o quanto custa criar e educar uma criança e nas quais eles encorajavam as meninas a terminar a escola. Hoje, 50% dos estudantes do Irã são mulheres. O Irã retornou às taxas de substituição um ano mais rápido do que a China. No livro, falo de muitos outros países que também fizeram esse corte. Cada um deles é diferente porque suas culturas são diferentes.

No Brasil, a taxa de natalidade está em 1,9. É um bom índice?

No México e no Brasil, as novelas foram uma maneira muito efetiva de as pessoas entenderem que famílias pequenas se davam muito melhor que famílias grandes. Vivi no México enquanto isso estava ocorrendo e me lembro de novelas nas quais mulheres com famílias grandes diziam “estou tão cansada, não posso mais …”, e o marido dizia “vamos lá, você tem que me dar mais filhos”. Em 10 anos, a taxa de natalidade do México caiu em 34%. As pessoas que tomam as decisões e fazem as políticas no México se deram conta de que tinham um programa de natalidade. Na Tailândia, o economista que começou o programa de planejamento familiar porque trabalhava com desenvolvimento se deu conta de que seria impossível se desenvolver caso o país tivesse muita gente. A política sempre se rende à economia. Então, politicamente, é uma boa escolha não ter mais pessoas do que você pode empregar adequadamente.

A superpopulação é uma ameaça?

Depois da Segunda Guerra mundial, Eisenhower encarregou um de seus generais de estudar a segurança na era pós-guerra. O general William Drapper fez um relatório para o presidente no qual dizia que a única armadilha para a segurança global na era do pós-guerra seria a superpopulação. Na época, havia 3 bilhões de pessoas no planeta. Hoje, temos mais que o dobro. Pelo resto de sua vida, o general Drapper trabalhou com questões de população. O exemplo que sempre dou é o Paquistão. O Paquistão tem uma população que está explodindo. Foi o lugar onde a revolução verde foi testada pela primeira vez, junto com a Índia, que em breve vai superar a China e se tornar o país mais populoso da Terra. O Paquistão tem quase 200 milhões de pessoas e é um país do tamanho do Texas (Estados Unidos), que tem somente 26 milhões de pessoas.


Quais as consequências?

Se continuar a crescer do jeito que cresce, até o fim do século o Paquistão terá 400 milhões de pessoas. Isso é muito mais que todo os Estados Unidos, embora o país continue sendo do tamanho do Texas. E o Paquistão já tem um quantidade de jovens homens que são alvos fáceis para os terroristas. Segurança global é um dos maiores motivos pelos quais precisamos de planejamento familiar. Outra razão é que nos Estados Unidos e na Europa há muito medo da imigração vinda de países pobres.

O Paquistão é a pior situação que o senhor encontrou?

Quando estava pesquisando para o livro, visitei os piores países e posso garantir que há quatro candidatos à pior situação: Paquistão, Afeganistão, Nigéria e Níger. São países que têm taxas aceleradas de crescimento. O Níger alcançou a maior taxa de natalidade e é um país que tem sido severamente atingido por secas e por mudanças climáticas porque as chuvas diminuíram muito, por anos e anos, o que gerou uma grande tragédia. O Paquistão é uma potência nuclear e um excelente exemplo de um país que está fora de controle. Esses seriam os países em que a situação está mais séria.

E quais são os outros?

As Filipinas, onde a Igreja Católica ainda é muito forte, inclusive politicamente, é um exemplo. Quando estive lá, o presidente estava lutando com a igreja há anos para implantar um programa de planejamento familiar. E há algo muito curioso nas Filipinas: os habitantes de uma comunidade de pescadores em uma das ilhas em volta das Filipinas começaram o seu próprio programa de planejamento familiar porque se deram conta de que o número de sua população precisava estar equilibrado com o de peixes. O Brasil, o México, a Itália e a Espanha são exemplos de países católicos com taxas em declínio. A Espanha e a Itália têm um dos mais altos índices de mulheres escolarizadas e instruídas do mundo e quase 90% usam algum método de controle de natalidade, independentemente do que o Vaticano diz.

O Japão é o primeiro país desenvolvido a ter uma população que está encolhendo. O que isso significa?

Este é o momento, a oportunidade de aprendermos como nos tornar um país sustentável e como podemos viver com os nossos limites. Podemos prosperar também. Com o encolhimento populacional, com certeza o PIB vai cair, o que não quer dizer que os insumos vão cair. Todos os trabalhadores no Brasil que apoiaram o Lula ficariam encantados de saber que, com o encolhimento da população, seu trabalho valeria mais e os salários seriam mais estáveis. Essa será a melhor maneira de distribuir a riqueza de maneira mais justa. Meu país, neste momento, está absolutamente insano: uma faixa minúscula da população detém 80% do dinheiro e quando há uma população com tanta desigualdade, a tendência é ter um colapso por causa dos salários. Estamos assistindo ao declínio, e espero que não à queda, do império americano. Essa é a oportunidade, para nós, de aprender com o Japão.

O que podemos aprender com eles?

E eles têm um exemplo que adoro repetir: os jovens estão estudando e se organizando para voltar para o campo, porque como houve uma fuga da população do campo para a cidade, hoje há mais casas, mais terras e tudo é mais barato. As pessoas não têm que ficar morando em cidades apinhadas de gente. Elas podem se espalhar pelo interior e ter um estilo de vida que não requer tantos recursos. Nossa economia não pode continuar crescendo do jeito que está crescendo, porque isso é ruim: estamos exaurindo as terras, a atmosfera, os mares. A agricultura também vai sofrer muito. Para cada grau que aumentar a temperatura da Terra a previsão é de que as colheitas diminuam em 10%. Como vamos fazer?




 

MAIS SOBRE PENSAR