Há muitas formas de classificar as atitudes políticas. A mais conhecida delas é a que divide o universo de ações e ideias entre direita e esquerda. Mesmo estando em baixa, o par clássico ajuda a compreender posturas divergentes em matéria de leitura e atitude frente ao mundo. Uma boa maneira de tornar a distinção mais compreensível é associar a ela outras noções mais operacionais. Assim, a esquerda passou a ser associada à igualdade e a direita à liberdade. Como tanto liberdade quanto igualdade são necessárias para que a humanidade se realize, o debate se deslocou para o campo da urgência: quem deveria vir em primeiro lugar?
Para os seguidores do igualitarismo, é preciso colocar os valores à frente da ambição, a ética na proa das atitudes que envolvem os homens. Quem acredita que as pessoas nasceram para ser iguais, defende que sejam dadas a todos as mesmas condições básicas. Não se trata de frear a diferença, mas de garantir e equidade de condições de partida. Podemos ser mais inteligentes, capazes, fortes e competentes, mas nunca seremos mais gente que os outros homens e mulheres. Se entre os liberais o território mais exemplar é a economia, entre os igualitários é a política.
Essas observações talvez ajudem a clarear um pouco o panorama no qual estamos metidos até o pescoço e, por isso, nem sempre percebido com muita clareza. É preciso dar ao liberalismo o que é dele, e resgatar dos partidários da igualdade a disposição para lutar por suas ideias. A falência do Estado de bem-estar social na Europa (não chegamos a experimentá-lo no Brasil) é uma prova de que o mercado não tem sensibilidade social a não ser de forma limitada (para poucos, o que explica a xenofobia) e em momentos de crescimento (que permite o vazamento da riqueza para políticas compensatórias fora do mercado).
Como vivemos uma crise internacional, a tendência é exatamente regressiva, de retirar ganhos sociais e cortar benefícios. O que parece que não funciona mais é o receituário que empurrava para o futuro a divisão da riqueza, seja na forma de distribuição de renda, seja na de serviços de qualidade, ou ainda na política protecionista do trabalho e da previdência. Sem o horizonte do Estado de bem-estar social, o que nos sobra é retomar as lutas pela expansão de direitos.
Essa situação mostra que, depois do ciclo do liberalismo, é chegado o momento universal da busca da igualdade social. Dois livros lançados recentemente comprovam essa urgência. Em O capital no século 21, o francês Thomas Piketty alerta para a necessidade de desconcentrar a renda. A partir da análise dos impostos pagos pelo cidadão, ele provou que a renda, ao contrário do que sempre defenderam os liberais, está em franca concentração, depois de uma fase áurea que não mais se repetirá. Os ricos estão cada vez mais ricos e a sociedade cada vez pior. Para quase todos. A saída é a distribuição de renda e a taxação da herança, associada a políticas de fundo social. Os ricos estão quebrando o mundo, trocando a produção pela financeirização. Não se trata de ameaças, mas de números, preto no branco.
Em outra seara, aparentemente distante da economia, o neurocientista americano Carol Hart, no excelente Um preço muito alto, revoluciona a visão tradicional sobre as drogas e suas políticas de combate. Ele mostra, com dados sociais e experimentos científicos (sem falar da própria experiência de vida), como a droga é uma questão de pobreza e de falta de oportunidades. O grande problema do mundo não é o tráfico de drogas, mas a miséria, a discriminação e o preconceito. Professor da Universidade de Columbia, o neurocientista cobra políticas públicas, e não a repressão. Para os que criticam as ações afirmativas, ele se apresenta como exemplo: sem as cotas, Hart seria mais uma vítima das drogas, como muitos de seus amigos. Com as oportunidades que lhe foram dadas, se tornou um cidadão.
O debate entre igualdade e liberdade, na verdade, deveria ser equilibrado pela terceira das bandeiras dos revolucionários do século 18: a fraternidade. Podemos ser livres em alguns momentos, e até mais iguais em outros. Mas só seremos gente de verdade no horizonte da fraternidade.