Escritor mineiro radicado em São Paulo lança seu primeiro livro de poemas, 'O corpo no escuro'

Paulo Nunes é natural de Patos de Minas, no Alto Paranaíba

por Carlos Herculano Lopes 22/03/2014 06:00
Renato Parada/Divulgação
(foto: Renato Parada/Divulgação)
Nascido em Patos de Minas, no Alto Paranaíba, em 1965, o poeta Paulo Nunes há 11 anos está vivendo novamente em São Paulo. Formado em filosofia pela USP, para sobreviver na capital paulista, cidade que de certa forma considera como sua, apesar de todos os conflitos, Nunes abriu uma livraria improvisada dentro da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (fflch) da universidade paulista. De acordo com ele, sua loja se resume a uns armários velhos, cheios de livros de humanidades, que ele expõe todos os dias naquele espaço. Meio a essas demandas pela sobrevivência, o que tem tomado quase todo o tempo de Paulo Nunes é a poesia. Ele acaba de estrear em livro com o lançamento de O corpo no escuro, pela Companhia das Letras. Poesia requintada, feita com a concisão de um João Cabral de Mello Neto e a emotividade de Drummond. Sem se desligar de Patos de Minas, em 2001, Paulo Nunes organizou e editou o livro Meu canto é saudade, do poeta popular Juca da Angélica, que vive na vizinha Lagoa Formosa. Entre seus novos projetos está a publicação de um livro de poemas inéditos, Ismália interpretada, e outro sobre sua infância em Patos. “Para um futuro próximo, penso editar uma seleção de 40 ou 50 letras de canções das tantas que escrevi ao longo das décadas, com um CD encartado no livro”, disse ainda Paulo Nunes em entrevista ao Pensar.


Embora escreva há muitos anos, só agora você estreia em livro com O corpo no escuro.  Por que tanta demora?
Este livro, assim como está, poderia ter sido publicado há 12 anos. E o primeiro livro que constitui o volume, chamado OBVNI, eu o terminei em 1995. Esta demora tem muitas causas, sendo a principal delas o fato de eu ter escrito uma poesia que se pautou pela retomada da subjetividade – o que nunca deixou de existir na nossa ou em qualquer poesia lírica, pois isso lhe é constitutivo –, mas que foi imputada como de mau gosto e retrógrada às gerações advindas após a poesia experimental e a poesia engajada dos anos 1950 e 60. Sob tais pressões internas e externas, o que acabei fazendo foi fundir estas duas correntes – objetividade e subjetividade. E desde a década de 1990 busco registrar a possível nova subjetividade que teria surgido no bojo da atual onda histórica, marcada pelos grandes avanços tecnológicos e pela nova fase do capitalismo. Este afastamento do cânone foi o que também me distanciou dos meus possíveis leitores. Mas não tenho certeza de nada disso, são apenas palpites de autor, que pode ser o mais confuso e equivocado de seus leitores.

No meio de todas as possibilidades e incertezas, como se deu o processo de criação do livro? Onde buscou temas para os poemas?
Partindo de uma poesia mais objetivante e autorreferencial, metalinguística, feita ainda com muita força nos anos de 1980, me vi de repente numa crise, pois não queria mais falar de poesia e para poetas, apenas. Essa crise se acirrou em 1992, o que resultou na maioria dos poemas de OBVNI. Esses poemas nasceram do embate da quase obrigatoriedade de se fazer poesia com fulcro na objetividade com a minha necessidade de falar do que eu sentia num momento em que passava por uma depressão. Eu os escrevi fugindo a um cânone e a uma moda, e isso gerou uma grande angústia, que creio estar plasmada na forma que alcancei, sempre dúbia, plena de antíteses e paradoxos. Vejo neles muita influência de Drummond e Cabral, mas minha pedra e minhas ideias fixas, agora, são o corpo, visto como índice não só de nossa presença real/objetiva no mundo, mas também do que sentimos e somos e mesmo da in-consciência que vai dentro de nós. E esse corpo que é meu tema e que descrevo e analiso está sobre o influxo do fim das utopias, do surgimento da Aids, da derrocada da razão iluminista etc., e sobretudo da hegemonia do sistema capitalista, em sua nova forma, mais radical e violenta. O outro livro que compõe o volume, chamado Tempo das águas, continua com esses temas, mas centrado na convalescença e morte de meu pai, no fim da década de 1990. Trata-se, assim, de dois “diários”. A este conjunto soma-se um terceiro livro, já escrito, chamado Ismália interpretada, que é também um “diário” em que registro uma desilusão amorosa e em que investigo poeticamente a possibilidade do amor nos dias atuais. Algum dia eu o publico.

Qual é a sua relação com sua cidade natal, Patos de Minas?
Vivi em Patos quase toda a minha vida. Saí a primeira vez em 1990, aos 25 anos, para retornar três anos depois. E voltei para São Paulo em 2003 para fundar um novo arraial de Santo Antônio dos Patos a cada canto da metrópole. Penso que Patos, com seu tempo e sua praça central espichados, me deu a poesia, pois esta é, mais do que nunca, coisa de provincianos como eu. Afinal, num lugar onde a onda capitalista demora mais a chegar, o ser tem mais tempo pra se tecer e se desfiar. Hoje, afastado no tempo e no espaço, mas não no sentimento, percebo que a cidade, isto é, a minha gente, me transmitiu sua forma de ver o mundo encantando-o. Pois se aquele era um mundo com fortes resquícios do feudalismo, com uma estrutura agrária e patriarcal, machista, fechado e pouco afeito a mudanças, oferecia, como contraponto, sua natureza tão rica e que quase já não existe mais, sua vocação para o jogo, a festa, a solidariedade, sua língua maravilhosa, também radicalmente poética e lúdica, e que tentei de alguma forma registrar na transcrição que fiz da poesia oral do Juca da Angélica, do qual, em 2001, organizei a antologia Meu canto é saudade, hoje infelizmente esgotado. Enfim, Patos de Minas, para mim, há muito deixou de ser apenas uma localidade registrada no mapa do país para se tornar, como a Lagoa Formosa de Altino Caixeta, uma cidade-símbolo. Falar dela é falar do meu eu mais profundo, e pretendo que seja falar de todas as cidades e pessoas do planeta.

Como se deu a sua segunda mudança para São Paulo, já nos anos 2000, para cursar filosofia na USP? Desenvolve alguma atividade na área?

Quando retornei a São Paulo, em 2003, foi para estudar. Meu grande feito épico até hoje, embora banal, foi essa mudança de Patos para São Paulo. Para explicar isso, costumo dizer que nasci antes da televisão, pois embora esta já existisse há algumas décadas, a primeira vez que a vi eu já tinha por volta de 10 anos. Isso quer dizer que sou de um outro tempo, outro espaço, tenho outros referenciais e valores que, penso, me ajudam a ver com mais nitidez, pelo contraste, o mundo atual. São Paulo foi e é um grande choque para mim e sinto que nunca vou me acostumar totalmente à metrópole, embora em muitos aspectos esteja adaptado e já me sinta também deste lugar. Quanto à filosofia, embora seja outra grande paixão, não tive nem tenho muito tempo para me dedicar a ela e nunca lecionei.

Como tem sido sua experiência como livreiro dentro da USP?
Sou livreiro há apenas 10 anos, profissão que improvisei quando, já com 38 anos, totalmente deslocado em Patos, vim estudar na Universidade de São Paulo, onde morei no Conjunto Residencial da USP – o Crusp, que é, na verdade, uma universidade dentro da universidade. Montei na época uma pequena banca de livros usados em frente ao Bandejão Central, que também fica no Crusp. Depois, expulso desse lugar, montei a banca na FFLCH. Nunca tive uma livraria, apenas alguns armários velhos, cheios de livros também velhos, quase todos de humanidades, que exponho todos os dias, em situação muito precária, no meio do caminho dos estudantes e professores que vão às copiadoras.

Isso dá oportunidade a você de conhecer muita gente, inclusive escritores. Como está vendo esta nova geração que está surgindo no Brasil, alguém chama a sua atenção?
Destaco na atual cena poética brasileira um verdadeiro fenômeno: quando pensávamos que tudo ia acabar e já ninguém se interessaria por poesia, de repente uma verdadeira multidão resolve escrever e cultivar esse gênero literário. O resultado disso é a proliferação de livros, pequenas editoras, círculos restritos de poetas/leitores, oficinas, eventos literários etc., em todos os âmbitos da sociedade, da periferia às elites culturais e econômicas, de norte a sul do país. E do mesmo modo que há hoje uma maior apropriação das classes médias e altas da cultura popular, com frutos futuros imprevisíveis, existe uma apropriação pelas classes desfavorecidas da cultura que antes era feita apenas pelas elites ou por quem furava este bloqueio. Neste verdadeiro movimento cultural há de tudo, e não ouso aqui, como já ouvi, falar em “qualidade poética”, seja lá o que for isso, ou relacionar nomes, tarefa que deixo para os críticos.


O corpo no escuro
• De Paulo Nunes
• Editora Companhia das Letras, 120 páginas, R$ 36

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