Um idílio agreste

por 01/03/2014 00:13
Se em algum bate-papo sobre literatura mineira e seus escritores, seja numa roda acadêmica ou em conversa de amigos, alguém se lembrar do nome de Veiga Miranda, certamente ninguém – ou quase ninguém – irá saber quem é. “Veiga o quê?”, provavelmente será a pergunta que se ouvirá. Trata-se, no entanto, de autor importante, que andava injustamente esquecido.

Romancista, contista, crítico de teatro, jornalista, engenheiro e biógrafo, além de ter sido político de influência no seu tempo, quem quiser não só tomar conhecimento de quem se trata, mas ler João Pedro da Veiga Miranda, mineiro de Campanha, no Sul do estado, onde nasceu em 11 de abril de 1881, tem uma ótima chance: a Editora Com Arte, em parceria com a Edusp, acaba de lançar o romance Mau-olhado. O volume integra a coleção Reserva Literária, cujo objetivo é recuperar obras importantes, das quais não se fala mais. Além de Mau-olhado, saíram recentemente pela mesma coleção os livros Contos cariocas, de Artur Azevedo, e Marta, de Medeiros Albuquerque.

Autor de vários títulos, como os romances Redenção, A serpente que dança e Os três irmãos siameses, que talvez seja seu livro mais famoso, além de volumes de crônicas e contos, como Pássaros que fogem, com o qual fez sua estreia na literatura, em 1908, aos 27 anos, Veiga Miranda publicou a primeira edição de Mau-olhado em 1919, no Rio de Janeiro, pela Editora Leite Ribeiro. A segunda tiragem saiu em 1925, pela Cia. Graphico Editora Monteiro Lobato, e depois caiu de vez no limbo. Passou a ser encontrado, com alguma sorte, apenas em sebos.

O próprio Monteiro Lobato, ao tratar do romance, sobre o qual não poupou elogios, escreveu que Veiga Miranda “reafirma seus magníficos dotes de pintor de almas e costumes. O enredo transcorre dentro do quadro agreste de vida roceira. Lê-lo é ter desdobrada ante os olhos a cinematografia das fazendas abertas no sertão – luta bárbara do homem contra a selvageria”. No entanto, na avaliação de Lima Barreto, outro leitor de Veiga Miranda, falta ao livro a presença do escravo. No entender do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma, a figura do negro ajudaria a explicar “o eito, o banzo, a vida na senzala”.

Em Mau-olhado, numa linguagem elegante, própria do estilo da época, Veiga Miranda descreve, com conhecimento de causa, pois morou muitos anos em Ribeirão Preto, cidade da qual chegou a ser prefeito, como era o modo de viver no Nordeste paulista no fim do século 19 e início do 20. Descreveu as grandes fazendas, os trabalhos duros nos canaviais e nos currais de gado, as manifestações folclóricas e religiosas; e o rude modo de ser do sertanejo naquele ambiente agreste, onde a violência falava mais alto.

Como pano de fundo, norteando a narrativa que se desenrola na Fazenda Boa Esperança, no Vale do Rio Grande, perto da divisa de São Paulo com Minas, uma trágica história de amor, que tem como protagonistas um padre, Olívio, e sua madrasta, Isolina. “Idílio proibido de um jovem padre de vocação duvidosa e sua madrasta, infeliz no casamento”, como escreveu a ensaísta Terezinha Tagé.

A coleção Reserva Literária já tem novos títulos em preparação. O próximo volume será o romance Navios iluminados, de Ranulfo Prata, previsto para ser lançado ainda este ano. Entre os projetos que estão sendo desenvolvidos pela editora está o romance O feiticeiro, de Xavier Marques. A qualidade dos primeiros volumes credencia a equipe a dar continuidade ao projeto. Ainda há muita literatura de qualidade a ser revelada aos brasileiros. (CHL)



Mau-olhado

. Editora Com Arte/Edusp, 378 páginas, R$ 60

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