Deu pra ti, alto-astral

Kledir Ramil dá continuidade à linhagem dos compositores-cronistas com livro divertido que tem tudo para atrair os leitores mais jovens

por 01/03/2014 00:13
Som Livre/Divulgação
(foto: Som Livre/Divulgação)
Ângela Faria




A MPB tem fornecido mão de obra de primeira para a imprensa: Adriana Calcanhotto, Caetano Veloso, Bráulio Tavares, Fernando Brant, Lobão, Aldir Blanc e José Miguel Wisnik, entre outros compositores, seguem a tradição de Antônio Maria e encaram o desafio de levar a palavra para além das canções. Cronista dos jornais Zero Hora (RS) e Brazilian Voice (EUA), o músico Kledir Ramil integra esse time divertindo o leitor com seu jeito alto-astral de encarar a vida.

O gaúcho assina o recém-lançado volume da série Crônicas para ler na escola (Editora Objetiva), que se propõe a seduzir a garotada high tech para a literatura. Ramil tem pique para a missão: bom de causo, vai conquistando o leitor como se quisesse só jogar conversa fora. Por trás do sujeito brincalhão há um cuidadoso escritor, craque em manejar palavras, que cultiva a “língua brasileira” com a ajuda do legítimo gauchês. A diversão é garantida para os jovens leitores. Basta saber que ir aos pés, lá nos pampas, significa fazer cocô. Sabe como eles chamam a BR-101? Briói!!!!!

O clima é de bate-papo na mesa da casa de dona Dalvinha, em Pelotas. A matriarca, aliás, deu ao Brasil três craques dos palcos: Kledir e o irmão Kleiton (o duo está na estrada desde os anos 1970, quando estrearam na banda Almôndegas), além do caçula Vitor Ramil, cantor e compositor talentoso, romancista de mão cheia.

Conversa vai, conversa vem, ficamos sabendo que o pelotense é atleta frustradíssimo: adolescente, fracassou no tênis de mesa, nas aulas de natação e na academia de ginástica com seu “índice muscular igual ao do Michael Jackson”. Pediu uma bola de presente de Natal, mas ganhou um violão. Foi assim que o magrelo começou a chamar a atenção das meninas. No setor dos tabuleiros, o conterrâneo do enxadrista Mequinho perdeu todas para o famoso campeão. Em compensação, ensinou o vizinho a dançar.

As peripécias esportivas de Ramil extrapolam Pelotas. Vão do exílio forçado de Dom Pedrito – derrotou o time da cidade, dedicando o gol à assanhada noiva do jamanta local – à amizade com o doutor Sócrates. O gozador Magrão não perdoou o companheiro durante certa contenda, batizada de jogo ecológico. “Eu plantado lá na frente, ele lá atrás. Um coqueiro e uma sequoia. Eu só me mexia quando batia o vento”, descreve o cronista. Nome do escrete: Floresta Futebol Clube...

Pai dos jovens Júlia e João, Ramil já dedicou à prole um livro de crônicas, lançado em 2006. Revela que só consegue se comunicar com a dupla pelo Facebook, embora todos morem sob o mesmo teto. A rede, aliás, é caixinha de surpresas para o patriarca. Às voltas com o tsunami de parabéns on-line no dia de seu aniversário, o engenheiro mecânico Kledir fez as contas. Calculadora em punho, somou quantos anos de vida lhe desejavam: está condenado a viver pouco mais de oito séculos!

Animais

Entre vários casos gauchescos, outra surpresa: nosso “analista de Pelotas” não é chegado a churrasco. Vegetariano, ele dedica várias crônicas aos animais, inclusive ao querido golden retriever Zé Zen, mascote do clã. A opção filosófico-gastronômica foi inspirada por uma galinha. Filho de um “verdugo”, dono de “técnica perfeita” para matar a bichinha, Ramil fracassou na “missão degola” quando o pai viajou. Agarrou a coitada pelo pescoço e passou a girá-la como boleadeira. Contra todas as previsões aerodinâmicas, a gorda e desajeitada ave saiu voando. “Mas a cabeça, infelizmente, ficou na minha mão”, confessa Ramil. Marizilda, Garzinélia e Gorduchinha não mereciam destino assim. “Para nós, crianças, aquilo que faziam com as galinhas era muito claro: assassinato”, concluiu o menino.

Ecologista, nosso escriba define foca como lesma gigante com focinho. E tacha minhocas e caramujos de melecas com vida. Cavalo-marinho? Cruzamento de equino com vírgula. Com leveza, Kledir fala de tudo um pouco – da família e da carreira à infância, sem esquecer hilários carnavais em Pelotas. Na apresentação do livro, a escritora e professora de literatura Regina Zilberman chama a atenção para a habilidade do autor em se tornar motivo de anedota. Ao zombar de si mesmo, Ramil se faz cúmplice de nossas dificuldades de cada dia – sejam elas lidar com os filhos, tourear o microteclado do celular ou receber (e cumprir) a árdua missão de exterminar baratas.

CRÔNICAS PARA LER NA ESCOLA

. De Kledir Ramil
. Editora Objetiva, 168 páginas, R$ 36,90

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