Obra do artista plástico Eymard Brandão registra as mudanças na paisagem de Minas Gerais

Artista trabalha com pigmentos naturais, resíduos de rochas e material descartado pela indústria para construir outras paisagens

15/02/2014 00:13
Marília Andrés/Divulgação
Eymard Brandão incorporou a fotografia ao seu repertório expressivo, em integração com o desenho e a pintura (foto: Marília Andrés/Divulgação)


Marília Andrés Ribeiro
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A natureza construída por meio do olhar e do fazer do artista tem sido o eixo da poética de Eymard Brandão. Ela está presente nos desenhos e colagens realizados nos anos 1970/80 e nas pinturas e técnicas mistas que foram feitas ao longo de sua trajetória, a partir dos anos 1990. Mas a grande novidade de seu trabalho é a emergência da fotografia digital, focalizada na natureza e em diálogo com suas pesquisas atuais, realizadas com pigmentos e resíduos minerais. Mostrarei o surgimento da fotografia na trajetória de Eymard, salientando o olhar do artista voltado para o interior de seu ateliê e para a natureza ao seu redor.

Eymard é um artista brasileiro que despontou nos anos 1970 e tem atuado até hoje, revelando uma trajetória exemplar como artista, pesquisador e educador. No início de sua carreira, os desenhos realistas de objetos urbanos e as colagens realizados com fragmentos da natureza já apontavam um olhar construtivo voltado para a paisagem urbana e natural.

Recentemente, o artista vem registrando as mudanças na paisagem de Minas por meio de sua pesquisa da pintura no campo ampliado, onde ele trabalha com os pigmentos naturais e os resíduos minerais para construir uma outra paisagem, aquela que é criada no seu ateliê e que resultou na série Arte em resíduos. Nessa série, o objetivo de Eymard foi “transformar em matéria-prima os materiais descartados por indústrias  que exploram o minério e que poluem o meio ambiente com sobras do processo industrial, material este que poderá ser reutilizado em diversificadas áreas, gerando sustentabilidade”.

No silêncio de seu ateliê, Eymard refina os pigmentos naturais e os resíduos minerais usando trituradores e peneiras, constrói os objetos com diversos materiais e sucatas, pinta os suportes explorando a cor, a matéria, a linha, a textura e, no fim do processo, registra seus trabalhos por meio da fotografia digital.

Mas no deslocamento de seu ateliê exterior, imerso na paisagem ao redor, o artista fotografa as marcas de tapumes, paredes, portões desgastados pelo tempo e aquelas deixadas no solo pelos tratores e caminhões que trabalham na construção de estradas ou no calçamento de ruas. Entre o trabalho de diversas máquinas, Eymard vai registrando o que o cerca, o sensibiliza e atrai o seu olhar, usando a lente fotográfica.

Ele nos diz como se processa esse primeiro contato do seu olhar com o objeto olhado e como esse objeto atrai o seu olhar fotográfico: “Não saio com o objetivo premeditado de fotografar. O ato de fotografar acontece na minha convivência cotidiana com a natureza e com o urbano. Normalmente, o que fotografo é algo considerado anônimo e esse anônimo cria uma identidade plástica por meio do olhar fotográfico. Esse olhar registra e tira de um todo um detalhe das terras, dos minérios, dos objetos considerados impessoais e anônimos. Muitas vezes este detalhe torna-se abstrato”.

O que interessa ao artista é registrar aquele momento do encontro de seu olhar com o objeto anônimo, o seu olhar criativo e plástico que percebe, na vida cotidiana e na natureza, fragmentos de realidade transfigurados em arte. Desse encontro surge a fotografia artística, a “fotoplástica”, aquela fotografia que apresenta uma percepção apurada de formas, texturas, linhas e cores, e que é própria do olhar de um artista plástico, um olhar que plasma as imagens com a luz e as aproxima do desenho, da pintura ou da escultura.

Eymard nos fala das suas escolhas, de seus deslocamentos e da amplitude da fotografia enquanto uma mídia que oferece inúmeras possibilidades de uso e de diálogo com outras formas de expressão artística: “Não procuro exatamente um tema ou um motivo para ser fotografado. Ando com uma máquina fotográfica e o olhar atento aos lugares com os quais eu convivo. E a partir daí surgem coisas que me atraem para desenhar, ou pintar ou fotografar. Então, a fotografia é um meio como qualquer outro. A fotografia tem um campo muito amplo e vasto, ela pode se integrar ao desenho, à pintura e às outras linguagens”.

Imagens


O artista aponta, ainda, o momento inaugural em que sua fotografia foi usada na produção de seu livro de artista para a exposição Da pedra ao pó, realizada na Galeria Livrobjeto, em Belo Horizonte. “A fotografia começou a ser integrada ao meu trabalho de artista plástico ao preparar uma individual para a Galeria Livrobjeto, em 2012. Tinha livros de uma antiga enciclopédia que escolhi utilizar e o desafio era como preenchê-los. Nesse momento, revendo o meu ateliê de artista, fui descobrindo que o registro de várias coisas que me cercavam seriam as fotos utilizadas como ilustrações e criadas para o livro de artista. No caso deste livro, não existia nenhuma integração do texto com a imagem, a integração se dava no sentido plástico da escrita com a fotografia.”

O olhar atento de Eymard, herdeiro do olhar neorrealista de Raymond Hains, artista que resgatou a beleza dos muros e tapumes de Paris, nos dá a chave para desvendar a sua poética no campo ampliado da arte contemporânea. Na nova série Solo e subsolo, que dá continuidade à sua pesquisa com a fotografia, integrada aos pigmentos e resíduos minerais, o artista estabelece uma relação entre a fotografia e a matéria, o olhar macro focado nas cicatrizes da terra e o reaproveitamento dos resíduos e pigmentos encontrados no solo. Essas marcas, registradas pela fotografia, são justapostas aos trabalhos em técnica mista, estabelecendo um diálogo entre opostos, uma mestiçagem que consiste na justaposição de elementos heterogêneos e ao mesmo tempo íntegros, distinguíveis uns dos outros.

O trabalho de Eymard Brandão, apresentado na exposição do Centro Cultural Yves Alves, em Tiradentes, discute a presença da fotografia como registro, criação e questionamento das categorias tradicionais da arte. Considera, ainda, a ampliação do campo artístico em direção aos possíveis diálogos entre a fotografia e outras expressões artísticas, englobando também as experiências do artista entre a arte e a vida cotidiana.

Essa perspectiva ampliada da arte contemporânea direciona-se para uma nova discussão da paisagem artística, que leva em conta a intervenção do artista no meio ambiente por meio da transformação da matéria local e considera a paisagem construída por ele a partir de sua vivência e sua experiência com a natureza ao redor, aproximando-se das propostas daqueles artistas que trabalham com as questões da land art.

* Marília Andrés Ribeiro é historiadora da arte.

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