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Imaginação e humor

Há 50 anos morria no Rio de Janeiro o escritor mineiro Aníbal Machado, autor do romance João Ternura. Mesmo com poucos livros, sua influência é sentida no modernismo brasileiro

Carlos Herculano Lopes

 

Há 50 anos, em 20 de janeiro de 1964, morria Aníbal Machado, autor do clássico João Ternura. Em 2014, se celebram os 70 anos da estreia na ficção do escritor, com a coletânea de contos Vida feliz. Com reedições e acréscimos de outras histórias, o livro acabou ficando com o título de A morte da porta-estandarte & Tati, a garota e outras histórias. A ele se seguiria o romance João Ternura e a coletânea de reflexões, aforismos, poemas e outros temas intitulada Cadernos de João, de 1957. Este livro foi o resultado da reunião de duas obras, ABC das catástrofes e Topografia da insônia, de 1951, e Poemas em prosa, de 1955.

Tradutor, ensaísta e apaixonado pelo teatro e pelo cinema, em 1941 Aníbal Machado lançaria O cinema e sua infância na vida moderna. No teatro, além de ter ajudado a criar vários grupos, como Os Comediantes e Teatro Experimental do Negro, chegou a traduzir para o português trabalhos de Anton Tcheckov e Kafka, além de ter escrito a peça O piano, com a qual ganhou ou Prêmio Cláudio de Sousa, da Academia Brasileira de Letras.

A exemplo de outros autores, como o mineiro Murilo Rubião e o mexicano Juan Rulfo, também donos de obra curta, mas de impacto, Aníbal Machado mostrou que não é preciso encher uma estante de livros para se tornar grande ficcionista. Cuidadoso com sua produção literária, escrevia e reescrevia seus textos até a exaustão. Pelo menos três histórias suas, os contos “Viagem aos seios de Duília”, “Tati, a garota” e “A morte da porta-estandarte”, estão entre o que se publicou de melhor neste país no século passado. Não foi à toa que Jorge Amado o considerava “o maior contista brasileiro do modernismo”.

Em 1973, com direção de Bruno Barreto, então com 18 anos, o conto “Tati, a garota” ganhou versão para o cinema, tendo no elenco Hugo Carvana e Dina Sfat. Outra história de Aníbal Machado, o antológico “Viagem aos seios de Duília”, também foi levada ao cinema, em 1964, em filme dirigido por Hugo Chyristensen, com Lícia Magna e Rodolfo Mayer. Quatro anos depois, em 1968, Chyristensen filmaria também O menino e o vento, baseado em dois outros textos do escritor.

Homem que gostava da vida, contador de histórias como poucos, generoso com os escritores iniciantes, aos quais sempre procurava ajudar a publicar seus livros, também ficaram famosas as chamadas “domingueiras”, reuniões que de meados da década de 1930, quando já estava vivendo no Rio, até às vésperas de sua morte, em 1964, ele promovia nas duas casas em que morou com a família, a primeira na Rua Francisco Sá, em Copacabana, e depois na Visconde de Pirajá, em Ipanema.

Daqueles encontros, regados a boa prosa, que entravam tarde adentro, sempre com doses generosas de uísque e vinho, muita gente conhecida participou. Passaram por lá, entre outros, Pablo Neruda, Albert Camus, o cineasta Orson Welles, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Tônia Carrero, no auge da beleza. Uma das filhas de Aníbal, a escritora e dramaturga Maria Clara Machado, sempre estava presente.

Ao escrever sobre Cadernos de João, que ganhou reedição em 2002, pela José Olympio, o ensaísta e crítico literário José Castello afirmou ter sido Aníbal Machado um escritor realista, mas de realismo temperado pela observação impressionista e pelo humor. “Ele mesmo define: ‘Humor, rebelião tranquila do espírito contra a miséria envergonhada da condição humana’”, registrou Castello.

No mesmo volume, o jornalista e crítico literário Mário Pontes afirmou que a obra de Aníbal Machado sempre será uma revelação para o leitor. “Cada vez que saímos de seus livros, levamos a convicção de termos convivido com alguém meio mágico, que, para nos deslumbrar, de vez em quando ia além da nossa comum realidade, alguém iniciado do vento, do mar, do movimento, de tudo aquilo que a sensibilidade reserva a uma imaginação destemerosa, mas tranquila”, escreveu.

PRIMEIRO GOL De família de intelectuais e políticos, com antigas raízes em Minas, Aníbal Monteiro Machado nasceu em Sabará, em 10 de dezembro de 1894. Fez seus primeiros estudos em Belo Horizonte e alguns anos depois se mudou para o Rio, onde se matriculou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Voltou em seguida para a capital mineira, onde concluiu o curso, em 1917, tendo chegado a promotor público. Participou, escrevendo para jornais e revistas, da segundo etapa do movimento modernista.

Em Belo Horizonte, foi ainda professor, viveu intensamente a vida cultural da cidade e foi crítico de artes plásticas no jornal Diário de Minas, onde chegou a trabalhar com Carlos Drummond de Andrade e João Alphonsus.

Uma curiosidade: bom de bola e apaixonado pelo futebol, Aníbal Machado chegou a jogar durante três anos no Atlético e em 21 de março de 1909, um ano depois da fundação do clube, com apenas 15 anos, marcaria o primeiro gol da história do alvinegro, em jogo contra o Sport Clube, vencido pelo Galo por 3 a 1. Quando parou de jogar bola, depois de ter se formado em direito, participou da diretoria do time.