Vencedores de prêmio literário têm obras analisadas por especialistas

Em 'O livro das palavras', autores portugueses e brasileiros falam sobre seu processo de criação em trabalho organizado por José Castello e Selma Caetano

por Carlos Herculano Lopes 11/01/2014 00:13
Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Para o romancista e ensaísta mineiro Silviano Santiago, a literatura vai além do entretenimento e tem afinidade com o conhecimento (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)

Desde sua criação em 2003, o Prêmio Portugal Telecom de Literatura vem se firmando como um dos mais importantes do gênero em língua portuguesa. Para comemorar os seus 10 anos, que se completaram em 2013, acaba de ser lançado 'O livro das palavras', que traz informações, textos críticos e entrevistas com 22 dos 27 escritores premiados até hoje. É uma referência para quem quiser ficar sabendo um pouco mais sobre os autores, alguns deles não brasileiros, já que o prêmio se estende a todos os países que têm o português como língua oficial.

Dalton Trevisan, que insiste em se manter recluso em Curitiba, Lobo Antunes e Chico Buarque não quiseram falar. Dois outros autores que também ganharam o prêmio, Sebastião Uchoa Leite e Mário Chamie, morreram antes que a ideia do livro ganhasse forma.

Organizado pelo escritor e crítico literário José Castello e por Selma Caetano, curadora do prêmio desde o início, cada entrevista é antecedida por uma pequena biografia do entrevistado e, depois da transcrição da conversa, é apresentado um estudo literário sobre a obra do autor.

 Vários textos foram assinados por José Castello, como o do escritor português Walter Hugo Mãe, vencedor do prêmio pelo romance A máquina de fazer espanhóis. Para José Castello, trata-se de um escritor trágico. “Seus personagens vivem destinos miseráveis, mas não se conformam, lutam contra eles e, apesar de quase derrotados, conservam-se firmes e agarrados aos sonhos.”

Nascido em Saurimo, Angola, em 1971, Walter Hugo Mãe viveu no país natal até os 2 anos, seguindo com a família para Portugal, onde passaram a morar em Paços de Ferreira, no Norte do País. Formado em direito, profissão que exerceu por pouco tempo, até optar pela literatura, Hugo Mãe é autor de O remorso de Baltazar Serapião, de 2006, e O apocalipse dos trabalhadores, de 2008.

Na entrevista que concedeu aos organizadores do livro, ele diz que os temas da literatura, desde sempre, só podem ser o amor e a morte. “O amor como símbolo da vida, a morte como sentença. Não sabemos falar de nada sem estar a falar disso. Gostar ou não gostar e começar ou ter de acabar”, disse.

Falso mentiroso Já para o mineiro Silviano Santiago, contemplado em 2005 com O falso mentiroso, a literatura tem mais a ver com o saber que com o entretenimento. “Não desprezo a este, mas não lhe rendo homenagem na criação literária”, disse. Nascido em Formiga, no Oeste de Minas, em 1936, Santiago, em outro trecho de sua entrevista, afirma ser um escritor metódico, além de apaixonado pela arte de ler e de escrever. “Mas método não significa disciplina, mas paixão”, esclarece.

Para José Castello, que também assinou o ensaio sobre a obra de Santiago, é no esconder que a sua literatura se mostra. “De pouco adianta o esforço para identificar identidades verdadeiras, lugares verdadeiros, histórias verdadeiras. O foco não está na verdade, mas na dobra. Não na verdade desvelada, mas na verdade velada e dobrada. Não na porta, mas no esconderijo, e a palavra pode ser esconderijo’”, escreveu Castello.

No entender de Marina Colasanti, que faturou o Telecom em 2011 com Minha guerra alheia, a criação não acontece ao deus-dará, não cai de presente no colo. “Decido em que área trabalhar e oriento a minha sensibilidade em relação a ela. É como se ativasse uma antena de captação, ou se lançasse a linha de um caniço de pesca em um lago ou outro”, disse.

Marina estreou na literatura em 1968 com o volume de crônicas Eu sozinha. A partir daí, publicou mais de 40 livros e se tornou uma das escritoras mais respeitadas do país. Com passagens por várias redações brasileiras, ela hoje é cronista do Estado de Minas. Para Castello, a obra de Marina é um exemplo do longo trabalho de fiação que define o processo criativo. “Nele, a roca, o bastão em que se enrola a rama do linho, do algodão ou da lã para serem fiados, é ao mesmo tempo instrumento criativo e peça de alto risco.”


O livro das palavras
• Organização de José Castello e Selma Caetano
• Editora Leya
• 608 páginas, R$ 69,90

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