Reflexão sobre a dança no Brasil ganha mais um volume literário

Organizado pela diretora Inês Bogéa, 'Jogo de corpo' disseca o que foi a produção da SP Companhia de Dança em 2013

por Carolina Braga 11/01/2014 00:13
Wilian Aguiar/Divulgação
São Paulo Companhia de Dança durante apresentação de 'Petite mort', coreografia de Jirí Kylián (foto: Wilian Aguiar/Divulgação)
Mais que apresentar espetáculos, a SP Companhia de Dança consolida sua trajetória nas artes brasileiras mantendo em paralelo às criações um calendário de publicações voltado à preservação da memória da dança que faz. 'Jogo de corpo – Ensaios sobre a São Paulo Companhia de Dança' já é o quinto livro voltado para este objetivo. Organizado por Inês Bogéa e publicado pela Martins Fontes, o volume de 254 páginas disseca o que foi a produção de 2013, com ensaios e reportagens publicadas sobre o grupo.

Como é comum neste tipo de obra, há certo ranço no tom sempre exaltado como as obras são abordadas. Jogo de corpo se divide em duas partes: a primeira com ensaios e a segunda com uma compilação de reportagens publicadas no Brasil, Uruguai a Alemanha. Não deixa de ser um clipping mais bem organizado e bilíngue.


O que faz a diferença no livro é poder contar com ensaios que destoem do lugar-comum do que normalmente circula na grande mídia. Ao incorporar olhares de áreas afins, como a filosofia, os textos tendem a enriquecer a percepção das coreografias para além dos parâmetros do jornalismo cultural. Do time de autores – Lúcia Santaella, Paulo Caldas, Kathya Maria Ayres de Godoy, Evaldo Mocarzel e Maria Eugênia de Menezes –, Santaella e Caldas se saem melhor.

Ao discorrer sobre os temas que nortearam a temporada da companhia, ou seja, amor, vida e morte, Lúcia Santaella transborda aquilo que viu no palco. Para ela, a abordagem de questões relacionadas às três palavras no palco “foi uma experiência no sentido mais radical”. A professora de semiótica da PUC-SP não se atém às montagens, mas passa por elas. As aproximações que Martin Heidegger (1889-1976) e Jacques Lacan (1901-1981) fazem acerca da morte abrem caminho para concepções sobre amor presentes em Décio Pignatari (1927-2012) ou sobre a arte em Walter Pater (18939-1894) e mesmo a relação entre música e dança.

Com base nas reflexões teóricas sobre amor, vida e morte, Santaella busca outros significados no que viu em Peekaboo, coreografia inédita assinada pelo alemão Marco Goecke; Por vos muero, de Nacho Duato, Petite mort, de Jirí Kylián, e o clássico Romeu e Julieta, de Giovanni Di Palma. Todas as criações estiveram em cartaz no ano que passou.

Dispositivo Já Paulo Caldas foi mais contido e não menos certeiro. No ensaio ‘‘Forsythe e o dispositivo’’, o professor de dança alinha-se à perspectiva do dispositivo, presente em obras de Michel Foucault (1926-1984). A partir do conceito, trabalhado por autores como Giorgio Agamben e Deleuze, ele analisa In the midle, somewhere elevated, presente no repertório da companhia.

Trata-se de uma remontagem levantada pela SP Cia. de Dança do trabalho de William Forsythe. O americano radicado na Alemanha é considerado um dos mais importantes coreógrafos do mundo por promover uma reorientação da prática do balé. Entendendo a dança como uma arte de deslocamentos e desfigurações, Paulo Caldas maneja o dispositivo como um modo de conceber estratégias poéticas com o corpo. In the midle, somewhere elevated serve de exemplo para o discurso dele.

Mesmo que se configurem belos exercícios de extrapolar o olhar para um espetáculo cênico, os ensaios ainda são demasiadamente herméticos para públicos não especializados. Por que não procurar um meio-termo? Ser profundo, analítico e acadêmico, mas acessível? Convém lembrar que o objetivo de Jogo de corpo – Ensaios sobre a São Paulo Companhia de Dança é garantir a memória e documentar uma trajetória.


EM BH

A São Paulo Companhia de Dança estará em Belo Horizonte em fevereiro. Serão apresentadas no Sesc Palladium as coreografias Mamihlapinatapai, de Jomar Mesquita, Petite mort, de Jirí Kylián, e In the midle, somewhat elevated, de William Forsythe – as duas últimas peças são temas dos ensaios de Lúcia Santaella e Paulo Caldas no livro Jogo de corpo. Também fará parte do repertório São como palavras, criação de Henrique Rodovalho.

Jogo de corpo – Ensaios sobre a São Paulo Companhia de Dança

• Editora Martins Fontes
• 254 páginas

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