Fernanda Torres lança seu primeiro romance 'Fim'

Atriz mostra que tem estilo, coragem e talento para enfrentar novos desafios

por André Di Bernardi Batista Mendes 24/12/2013 08:00
Bob Wolfenson/Divulgação
(foto: Bob Wolfenson/Divulgação)
O público brasileiro acostumou-se a ver Fernanda Torres no cinema, no teatro e na televisão. Em filmes premiados, novelas ou séries globais, ela se firmou como uma das boas e versáteis atrizes brasileiras, capaz de atuar num arco dramático que vai da comédia escrachada ao denso drama psicológico. A moça já provou que tem talento. No teatro, brilhou em mais de uma dezena de peças e, incontestavelmente, são inesquecíveis algumas de suas atuações no cinema, em filmes como Eu seu que vou te amar, de 1986, de Arnaldo Jabor, quando foi eleita melhor atriz nos festivais de Cannes e de Cuba, A marvada carne, Com licença eu vou à luta, Terra estrangeira e O que é isso, companheiro?, entre muitos outros. A atriz também já participou de novelas, como Baila comigo e Brilhante, foi protagonista do remake de Selva de pedra e atuou em vários e não menos inesquecíveis programas humorísticos, como Comédia da vida privada e Os normais (sucesso também nos cinemas).

O público mais atento já deve ter percebido que Fernanda tem algo mais, pois é dona de um carisma que ultrapassa a mera atuação. Fernanda é dona de trejeitos peculiares, Fernanda é dona de traços muito particulares, é dona de uma alma singular quando faz comédia; é dona de uma alma diferente quando faz drama. E tudo isso se reflete na maneira como Fernanda Torres escreve. Pois bem, acaba de chegar às livrarias Fim, seu primeiro romance.

Filha do casal de atores Fernando Torres e Fernanda Montenegro, Fernanda soube trilhar e descobrir um caminho próprio, independente. Contudo, é preciso calma. Deve existir uma justa desconfiança, pois gera um certo desconforto quando uma celebridade embarca e encara novos desafios. O fio tênue entre coragem e oportunismo é quase sempre imperceptível. No mais das vezes, o ator ou a atriz, o cantor ou a cantora, deslizam ao tentar enveredar por outras searas mais perigosas. O mesmo acontece quando se dá o inverso, quando é o escritor que se mete a ser artista de circo, de TV, ou algo que o valha. Não é o caso de Fernanda Torres. A atriz encarou este seu primeiro périplo, sua primeira aventura literária, de maneira digna, promissora em termos de ousadia e estilo. Fernanda mostra que, acima de tudo, é, na pior das hipóteses, uma boa leitora, pois monta um esquema, inventa uma história convincente, gostosa de ler, passando longe, contudo, das banalidades sugeridas pelos caminhos fáceis.

O livro focaliza a história de um grupo de cinco amigos cariocas. Eles rememoram as passagens marcantes de suas vidas: festas, casamentos, separações, manias, arrependimentos. Álvaro, solitário e triste; Sílvio, amargurado e viciado em sexo; Ribeiro, um patético rato de praia atlético que ganhou sobrevida sexual com o Viagra; Neto, o careta da turma, marido fiel até os últimos dias; Ciro, o don Juan invejado por todos – mas o primeiro a morrer, abatido por um câncer. São figuras muito diferentes, mas que partilham não apenas o fato de estar no extremo da vida, como também a limitação de horizontes. Fernanda mostra uma sucessão de acasos e frustrações, regadas a neuroses, crises e desentendimentos.

Fernanda não busca a empatia, não busca agradar os seus possíveis leitores. Ela apenas escreve, e escreve com fluidez e desprendimento, com uma segurança rara entre, digamos, iniciantes. Fernanda transita, esperta, entre o divertido e o profundo, sem – o que é melhor – ser didática, sem forçar a barra de forma arrogante, muitas vezes pueril.

A atriz capta o retrato de um cotidiano surreal, real como é o dia a dia de pessoas ordinárias, que não separam o lixo, que não reciclam, que jogam guimbas de cigarro no vaso, que tomam longos banhos quentes, que escovam os dentes com todas as torneiras abertas. Fernanda escancara o real de pessoas que amam muito mais que odeiam, que se casam, que fatalmente se separam num carrossel nada engraçado de uma longa e insistente solidão. Fernanda fala sobre pessoas maltratadas pela vida, por uma vida que, apesar de tudo, vale a pena ser vivida.

Sem mimos Todos os personagens de Fim são também cínicos, desgraçados, delicadamente divertidos. O livro tem um pouco, muito pouco, de Rubem Fonseca, um tanto de Nelson Rodrigues, com o doce tempero de Luis Fernando Verissimo. Fernanda é ácida e bem-humorada, seus personagens são dignos de fé e compaixão. O livro revela bem, ou pouco, muito do que somos, e não o que queríamos ser. A vida não é feita de mimos e badulaques. Somos feios, de se rir.

O artista é aquele que não perde a capacidade, é aquele que amplia o seu arsenal de sustos. O artista é aquele que tem olhos. A vida é sempre algo que ainda não se sabe. Deram de inventar palavras de escárnio e perdição. Está tudo no livro de Fernanda Torres. Pais e filhos, netos e consequências, por enquanto, ainda somos feitos de um barro, de uma chuva que não cessa. Existem fios desinterligados, mas contínuos.

Em anos recentes, Fernanda começou a atuar na imprensa, em colunas no jornal Folha de S. Paulo, na Veja Rio e em colaborações para a revista Piauí. Com Fim, seu primeiro romance, ela consolida sua transição para o universo das letras e mostra que nesse âmbito é uma artista tão completa quanto no palco ou diante das câmeras. Na TV, ela se prepara para a quarta temporada da série Tapas & beijos, da Globo. Tudo tem o seu tempo, pois chegou a hora e a vez da escritora Fernanda Torres.

FIM
• De Fernanda Torres
• Companhia das Letras, 208 páginas, R$ 34,50

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