Lucilia Neves lança seu terceiro livro de poemas

Autora tem obras de referência sobre a história republicana brasileira

por Ângela Faria 14/12/2013 00:13
Geyzon Lenin/Esp. CB/D.A Press
(foto: Geyzon Lenin/Esp. CB/D.A Press)
A poesia se infiltrou nas brechas da história. Primeiro veio Jardim do tempo, que reunia versos escritos até o fim dos anos 1990, depois foi a vez de Amor e asas, lançado em 2004. Hoje de manhã, a cientista política Lucilia de Almeida Neves Delgado autografa seu terceiro livro de poemas, Noites solares, na Livraria Ouvidor, na Savassi.

Conhecida por suas pesquisas sobre o trabalhismo, a historiadora já escreveu livros sobre Getúlio Vargas, a trajetória do PTB e o papel do tio Tancredo Neves na redemocratização. Também lançou a coleção O Brasil republicano (em parceria com Jorge Ferreira). Para Lucilia, a literatura ajuda a apurar o olhar dos cientistas. Muito jovem, a mineira aprendeu com Gorki, Dostoievsky, Fernando Pessoa e Jorge Amado a observar o mundo, as relações sociais e o jogo do poder.

Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Pedro Nava e Jorge Luis Borges fizeram a cabeça daquela jovem que gostava de política – “não de fazer, mas sim de estudar”. Ex-professora da Universidade Federal de Minas Gerais e da PUC Minas, ela dá aulas no Programa de Pós-graduação em História da Universidade de Brasília (UnB).

Versos da psicanalisada Lucilia falam de amor, erotismo e sacralidade. Memórias familiares remetem ao passado e ao futuro – ela dedica belas cartas ao pai e ao neto. Há nostalgia e esperança em meio a colares de pérolas, brincos, perfumes e canteiros de dálias. Relembranças dos tempos de juventude na São João del-Rei natal, em Juiz de Fora e em Belo Horizonte trazem de volta Marx, músicas de Jobim e sessões de Teorema. “Plantar revoluções/ Transgredir costumes/ Abraçar amores/ Mudar o mundo (...) Ter esperança/ Olhar a vastidão./ É urgente/ Reter o tempo/ Visitar o crochê de afetos”, convoca Lucilia em “Urgências”.

Cientista política acostumada a vasculhar as relações de trabalho de nosso Brasil “casa grande/senzala”, Lucilia faz versos para sua mãe preta: “Quando ela se foi/ Um pedaço de minha alma/ Desprendeu-se de mim/ Voou ao infinito/ Não podia deixar sozinha/ Na ventania da passagem/ Quem foi puro aconchego”. Poeta caro à autora, Manuel Bandeira também pôs sua Irene boa lá no céu.

Epifania Minas Gerais ressurge em nova roupagem sob o olhar epifânico de Lucilia, assinala a escritora Guiomar de Grammont na orelha do livro. As cidades são pontos do crochê de versos e memórias: Fernando Sabino, Clube da Esquina e bailarinos do Corpo em BH; cafés, esquinas e conversas infindáveis na juiz-forana Rua Halfeld; orgia de procissões com anjos em festa de Ouro Preto; foguetes em oração e o refinado mapa de luminosidades das comemorações da São João del-Rei natal. “Eu menina/ Anjo no outrora/ Nostalgia no hoje”, escreve ela.

Onipresente, Minas Gerais inspira “canções do exílio” da são-joanense radicada no Planalto Central. “Talvez pela saudade, talvez pela beleza da terra. Com certeza pela alegria de ser uma mineira que nasceu em São João del-Rei, cresceu em Juiz de Fora, sem tirar os pés da cidade natal, e construiu a vida de adulta por 33 anos em Belo Horizonte. Agora sinto que Brasília está me conquistando e trazendo novas perspectivas de vida, novos e inesperados encontros e talvez nova inspiração”, revela Lucilia.

A decisão de assumir publicamente o lado poeta se deve ao incentivo do marido, Maurício Delgado, professor universitário e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ele insistiu que a mulher lançasse o primeiro volume de poemas, no fim da década de 1990. “Aí tomei gosto. Mas é um gosto sem grandes pretensões literárias. Sem obrigações. Quero principalmente compartilhar o que escrevo com pessoas de quem gosto ou que cruzaram minha vida em diferentes momentos e de diferentes formas”, explica ela. E acaba entregando o ouro: “A historiadora ainda fala mais alto, mas já não existe sem a poeta”.


NOITES SOLARES
• De Lucilia de Almeida Neves Delgado
• 7 Letras, 126 páginas
• Lançamento hoje, às 11h, na Livraria Ouvidor Savassi, Rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi, (31) 3221-7473.

Três perguntas para...
LUCILIA DE ALMEIDA NEVES DELGADO
Historiadora e poeta

Como a poesia e a história convivem dentro de você? A ciência política influencia seus versos? O olhar poético invade suas pesquisas?
Não sei se foi coincidência, mas as primeiras poesias que ousei publicar foram escritas na fase em que estava estudando, com maior profundidade, a relação entre história e literatura. Os versos mudam, sim, o rumo da prosa histórica, que se apoia em pesquisa documental e em interpretações e análises. Na poesia, posso ter maior liberdade criativa para traduzir o registro do cotidiano e das paisagens da vida e do viver.

Que poetas mais te influenciaram?
Três me tiraram do ar: Cecília Meireles, Pablo Neruda e Fernando Pessoa. Alguns poemas por eles escritos chegaram à essência do meu ser com a força de devastadora beleza. São fontes de inspiração, mas passo longe de sua grandeza. E é melhor que seja assim. Quanto ao estilo, meus versos são sempre livres. Mas penso que não me enquadro em nenhuma escola literária. Tenho uma certeza: não sou pós-moderna.

A literatura é uma forma de cair no mundo, de extrapolar os muros da academia?

A rotina da academia é, ao mesmo tempo, fascinante e difícil. Hoje, está muito burocratizada. Além disso, foi tomada por um produtivismo que pouco tem a ver com o humanismo. Penso que o novo formato da vida universitária tem um lado muito ruim para as áreas das ciências humanas e das ciências sociais, pois não favorece a reflexão, que precisa de tempo para amadurecer e se tornar consistente. A literatura, para mim, é respiração, pausa. Como leitura, é parte importante de quase toda a minha vida. Como escrita, tem sido liberdade e prazer.

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