Mais do que uma ode ao rubro-negro, o espaço concedido ao autor serviu para enriquecer a crônica esportiva, que, assim como o próprio futebol, engatinhava no profissionalismo. Embora outros literatos já tivessem dedicado textos ao futebol – João do Rio, outro rubro-negro notável, já tratava de seu amor clubístico na década de 1910 –, José Lins foi o primeiro grande escritor brasileiro a escrever sistematicamente sobre o esporte. Quando estreou a coluna, já se passava quase uma década da conclusão dos já consagrados livros que compõem o ciclo da cana, de Menino de engenho (1932) a Usina (1936).
Um dos mais importantes romancistas regionalistas do país, José Lins aceitou o convite de Mário Filho – dono do Jornal dos Sports e responsável por abdicar do formalismo em favor de um registro mais coloquial, próximo do linguajar do torcedor. Foi Mário, que dá nome ao Maracanã, quem popularizou termos como o Fla-Flu, ajudando a tornar o futebol o esporte das multidões e influenciando todos os grandes cronistas esportivos posteriores, de seu irmão mais novo, Nelson Rodrigues, a Sandro Moreyra, João Saldanha e Armando Nogueira.
Nas 111 crônicas selecionadas pelo jornalista Marcos de Castro, José Lins se notabiliza muito mais pela leveza de seus textos do que pela profundidade social e psicológica, que caracterizam as crônicas dos irmãos Rodrigues. São textos curtos, que muitas vezes fogem ao futebol para fazer um retrato dos costumes do Rio dos anos 1940 e 1950, e desprovidos de detalhes – na maioria dos textos nem sequer cita o resultado ou times envolvidos nas partidas que comenta, tornando essenciais as detalhadas notas do autor, que ocupam quase um terço do livro. São crônicas sobre o Flamengo de Domingos, Biguá, Perácio ou Zizinho, mas que também trata sobre os ídolos do América, Botafogo, Fluminense e Vasco.
Provocações Para aflorar a rivalidade entre os clubes, Zé Lins (como era chamado pelos próximos) utiliza amigos e personagens do seu cotidiano, com provocações ao livreiro Bertrand, da Rua do Ouvidor, torcedor do Fluminense, ou ao garçom Antero, da Confeitaria Colombo, vascaíno, assim como a amiga Rachel de Queiroz, a quem trata como uma vascaína por engano, por ter alma amadora, típica de rubro-negra. Por fim, ainda no campo das relações pessoais, o autor demonstra predileção pelos dirigentes – atitude que causaria estranheza nos tempos atuais, já que a crônica, ao longo das décadas, deu passos importantes no sentido de transformar os craques em protagonistas, e não os cartolas.
Flamengo é puro amor, mais do que um livro restrito aos valores e paixão rubro-negros, é um rico instrumento para analisar a crônica esportiva às luzes da literatura. Foi na experiência de 12 anos no Jornal dos Sports que o autor verificou “que a crônica esportiva era maior agente de paixão que polêmica literária ou o jornalismo político” (7/3/1945) e que “a informação esportiva, mais do que qualquer outra, deve se impor pela sua cordialidade e lisura de trato (carregando) a responsabilidade de educar o povo” (22/6/1945).
FLAMENGO É PURO AMOR: 111 CRÔNICAS ESCOLHIDAS
• De José Lins do Rego (org. Marcos de Castro)
• Editora José Olympio
• 240 páginas, R$ 25