Uma reflexão sobre José Genoíno

por João Paulo 07/12/2013 00:13
Tomas Munita/AP
(foto: Tomas Munita/AP)
A eleição é só no ano que vem, mas já tenho meu candidato: José Genoino. Não se trata apenas de um político sério e devotado ao Brasil, mas de um homem que teve coragem para enfrentar a ditadura com o risco da própria vida. Não é desses que, como muitos, hoje se multiplicam a cada ano a inventar um passado que não viveram e uma luta da qual não participaram. Ele não vai ser candidato, eu sei, mas votarei em alguém como ele.

Genoino teve que renunciar ao cargo. Está doente. Foi examinado por médicos para ver se poderia cumprir sua pena em casa. Havia uma torcida que vinha do Supremo Tribunal Federal para que ele voltasse para a cadeia. Quando a Justiça se torna vingança ou obsessão pelo castigo, alguma coisa anda errada. Não foi isso que a humanidade aprendeu com a história.

O presidente do STF, Joaquim Barbosa, parece determinado em seu empenho de fazer justiça, mesmo que para isso passe por cima da lei e afaste, por exemplo, o juiz natural de execuções penais para obter uma obediência mais cega e alinhada. Ver Genoino doente ser considerado um homem que foge às responsabilidades é no mínimo um erro de julgamento.

Não se trata sequer de voltar ao caso do mensalão. Já está julgado. O que chama a atenção é o rebaixamento do senso de justiça às conveniências de certa cobrança por punição que vem dos meios de comunicação de forma orquestrada e daí chega até as pessoas quase como histeria sem compaixão. Realizado o julgamento e determinadas as penas, o que deveria se esperar era a recuperação da institucionalidade, não a procrastinação dos efeitos da sentença como um opróbio.

Curiosamente, o destaque alcançado pelo presidente do STF acabou criando uma paradoxo. De um lado, impulsionado pelo estilo rígido e autoritário, o ministro Joaquim Barbosa passou a ocupar o lugar sempre reservado aos heróis construídos pela mídia: foi alçado a candidato à Presidência da República, sem passar pela via da política, nos moldes messiânicos típicos dos momentos de crise. No entanto, o mesmo homem que havia se tornado modelo de retidão foi sumariamente esnobado pelos partidos, que se apressaram em afastar qualquer possibilidade de aproximação.

É explicável: a recusa à política, típica dos comportamentos autocráticos, poderia corroer por dentro os partidos, que se tornariam em um ato muito menor que seu candidato ungido. Não cabe, no estilo de Joaquim Barbosa, a saudável capacidade de precisar dos outros ou conviver com a discordância. O Judiciário, sobretudo a câmara mais alta, padece por definição de um certo orgulho de origem: ela é instituída, mas no momento que passa a operar se torna defesa de qualquer controle.

Parece que vai ficando claro com o tempo que os mandatos vitalícios dos tribunais, sobretudo nas cortes mais elevadas, são um risco. O que a experiência possibilita em termos de conhecimento, a permanência na posição retira em favor de certa postulação de acerto por antonomásia. Os ministros do STF não são os mais preparados, tem ficado claro a cada dia, mas os mais bem relacionados. Com isso fica bamba a segurança jurídica e a independência política.

O STF não é apenas um órgão técnico, a forma de ingresso dos magistrados deixa clara sua vinculação política e a necessidade, portanto, de alternância. Além disso, um erro de origem teria como ser consertado sem que fosse necessária uma crise institucional. Com mandatos com prazos definidos, os julgadores estariam sujeitos às mesmas determinações dos outros mandatos. Melhor ainda se fossem eleitos, como é comum em alguns países com forte tradição judiciária. Por que, ao lado da reforma política para o Legislativo e o Executivo, não se pensa em estender o mecanismo democrático para o Judiciário?

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No ano que vem, a Copa do Mundo vai consagrar uma trajetória de equívocos: submissão aos interesses de uma organização privada (Fifa) e corrupta de acordo com processos internacionais, gastos desnecessários em obras desnecessárias, gastos exorbitantes em obras necessárias, supressão de leis nacionais (beber em estádio e livre comércio) em favor de patrocinadores privados, e por aí vai. O hediondo teatro da briga de torcidas (do mesmo time, o Cruzeiro) no domingo passado, em Belo Horizonte, foi uma prova do que pode o álcool em território de emoções anabolizadas pela rivalidade.

É sempre bom lembrar que a Alemanha não mudou em nada suas regras internas e o que os EUA, quando sediaram o torneio, puseram traves em campos de beisebol e futebol americano e deixaram a bola rolar. Aqui se derrubam estádios e se constroem estádios, que caem e matam brasileiros antes de ficar prontos. Essa conversa é velha, ainda que necessária até que o bom senso das manifestações volte a ocupar as ruas.

O pior, para quem gosta de futebol, é que os jogos serão de um esporte que já foi futebol e hoje é outro tipo de peleja, mais bruto e rápido. Mas nem tudo está perdido. Em julho do ano que vem, ao lado do torneio da Fifa, o Brasil recebe outro campeonato muito mais interessante, o Mundial de Futebol de Rua 2014, que traz seleções de jovens das Américas Latina e do Norte, da África e da Ásia. A Europa, sede da Fifa, não manda seus times. Eles não devem conhecer o futebol de rua, ou “callejero”.

Não é um jogo qualquer. É na verdade uma prática sociopedagógica, que ao lado da diversão (pode acreditar, futebol é divertido, não é só guerra e comércio) se volta para ações comunitárias e para a inclusão social dos participantes. Entre os países que praticam o futebol “callejero” estão Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Costa Rica, Equador, Colômbia e Panamá.

Como toda experiência social, as regras são negociadas entre as equipes e existem para tornar o esporte mais rico de significação humana. Além dos gols, contam para o placar final o alcance das metas estabelecidas, que podem ser a paz, a alegria, a solidariedade, a inclusão. O jogo limpo é melhor que o jogo vitorioso. Curiosamente, não existe juiz no futebol de rua. As dúvidas são arbitradas coletivamente. Como na vida.

Qualquer semelhança com a antiga pelada que você jogava com os amigos não é coincidência, mas preservação do mínimo de humanidade que ainda existe em cada um de nós.

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