Arquivinho Vinicius de Moraes comemora o centenário de um dos maiores e mais queridos poetas brasileiros

Pasta tem direito a caderno com 13 poemas inéditos escritos na adolescência

por André Di Bernardi Batista Mendes 07/12/2013 00:13
Fotos: Bem-Te-Vi/Reprodução
(foto: Fotos: Bem-Te-Vi/Reprodução)
O dia 19 de outubro foi especial. Aconteceram fatos estranhos. Muitos casais que pouco se amavam amaram-se, outros tantos namorados namoraram, num conluio promissor. Tudo isso porque neste dia nascia, no Rio de Janeiro, há 100 anos, Vinicius de Moraes, o Poetinha. E para bem comemorar a data a Bem-Te-Vi Produções Literárias relança (a primeira edição é de 2002) o Arquivinho Vinicius de Moraes, uma edição comemorativa de encher e fazer brilhar os olhos. A pasta traz novos itens, como um caderno manuscrito com 14 poemas, sendo 13 inéditos – uma preciosidade guardada por mais de 80 anos –, e um CD, Miúcha canta Vinicius & Vinicius, lançado em 2003 pela Biscoito Fino, além de um álbum de fotografias com imagens do poeta cantando com Pixinguinha, numa queda de braços com Tom Jobim, bebendo com Oscar Niemeyer, biografia, cronologia e bibliografia atualizada, e curiosidades, como bilhetes em fac-símile de Charles Chaplin, Orson Welles e Pablo Neruda. Trata-se de um pequeno tesouro.

Vinicius de Moraes foi, talvez, o único poeta que viveu como um poeta, como disse certa vez outro poeta, outro amigo, Carlos Drummond de Andrade. Vinicius provou que é possível conjugar, plena e profundamente, os verbos, os vários sentidos que a paixão – esta palavra feita de flor e fogo – sugere e cobra. Dono de uma diplomacia peculiar, pouco recomendável para caretas, o poeta soube escrever como poucos sobre os percalços de uma vida, esta palavra borrada de risos e muitas lágrimas. Que arco-íris estendido, o que só viram as mulheres de Vinicius de Moraes?

De Ouro Preto a Oxford, da Lapa à Lagoinha, do muito até a excelência do muito pouco. A vida de Vinicius não foi fácil. Mas suas palavras, os seus versos, carregados de tanta delicadeza, são feitos de asas, são como levezas. A luz dos olhos deste nosso poeta serviu para desconcertos, com um brilho único e intenso, sua poesia deixou impresso nos suas coisas uma espécie de digital estranha, indelével. Não sei se Vinicius tinha inimigos. É muito pouco provável. Como deveria ser interessante conversar com o poetinha. Devem saber os seus muitos parceiros de canto e bebedeira. Bastava alguns acordes, e a noite acordava. Vinicius era pop e era culto, era Leminski e Shakespeare. Vinicius era um incansável procurador de si mesmo. Vinicius nunca sai de cena.

Tudo era matéria para sua poesia, o bar, a praia, a ressaca, as idas e vindas, as circunstâncias, os amigos distantes. Vinicius soube, como um perito, como um romântico, dizer o que soube das mulheres. As mulheres eram o seu território, o seu país conquistado com maestria e canções, com a força de sua prosa, com a fragilidade absurda e comovente de seus versos. Sujeito de bons e muitos companheiros, Vinicius deleitava-se, contínuo de porres homéricos. Vinicius preferia um nada de castigos e castidades. Tanto fascínio deve sobrevir da alma feminina, sobre um turbilhão invejável, diante de um desejo de paz e liberdade. Vinicius plantou e colheu, para o bem de todos, uma rosa de Hiroshima. Vinicius, corajoso, colocou em prática sua utopia viva. Vinicius pagou todos os preços.



Da macumba ao blues, passando como um rio, como um rio benfazejo pela MPB, Vinicius ensinou muito aos machos de sua espécie. A mulher, por tudo, merece mais, os homens merecem menos. Vinicius encontrou grandes mulheres pela vida afora. Vinicius, assim, foi e ainda será responsável por uma série de casos e paixões. Mas é preciso memória. Este belo lançamento fez sua parte.

A vida, para Vinicius, muitas vezes foi feita de espinhos, era uma vida sujeita a chuvas e trovoadas. Mas paixão é combustível, é o álcool mais puro, é o uísque mais caro. A poesia de Vinicius é sinônimo de catarse e requinte, com o mais alto apuro técnico. É uma poesia que muito serve para encantos, que serve também para reconciliar os gêneros. O masculino, e a alma feminina como foco de urgências e demandas que só captam as antenas e o coração do poeta mais levado. Vinícius decifrou posturas e poses femininas.

Como sempre acontece nos processos de sedução e rendimentos, a poesia de Vinicius tem o frescor das melhores virgens, tem o frescor de um primeiro pedido de namoro. Vinicius, como lembrou Chico Buarque, não serviria, não caberia neste nosso tempo de pedras e percalços. Vinicius amava suas flores, os seus amigos, a sua generosidade ultrapassava o sentido do desprendimento. Trata-se de um poeta fundamental, simples para os jovens, acessível para todos.

Nem o amor, nem as paixões. Só as nuvens são eternas, diria Mário Quintana. Imoral, dono de quase nada, farto de sonho e gandaia, Vinicius soube ser amigo e soube ser amante. Trata-se de um poeta que merece lembranças e tanto carinho. Trata-se de um grande poeta que merece loas e respeitos. O nome Vinicius de Moraes agrega uma soma de sustos. Sociável, inteligente, solto de amarras bestas, Vinícius era dono de uma personalidade única. Vinicius tinha suas nuvens, que o transformaram em algo parecido.

ARQUIVIHO VINICIUS DE MORAES

Bem-Te-Vi Produções Literárias, R$ 225

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