Tarcísio Badaró lança livro em que analisa a agitada vida das profissionais do sexo da Guaicurus

Jornalista explora a tradicional região da Rua Guaicurus, em BH

por Carlos Herculano Lopes 23/11/2013 00:13
Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Uma das mais conhecidas zonas de prostituição do Brasil, comparada à Vila Mimosa, no Rio, ou à Boca do Lixo, de São Paulo, a história do Complexo de Diversões Guaicurus, nome que resolveram dar ao famoso meretrício do Baixo Belô, acaba de ser contada no livro Sobe e desce na Guaicurus, pelas portas de uma zona de prostituição, do jornalista Tarcísio Badaró. É resultado de trabalho apresentado ano passado como projeto de conclusão no curso de jornalismo da UFMG.

Nascido em Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, o jornalista conta que resolveu escrever o livro porque a zona da Guaicurus, durante muito tempo – e de certa forma até hoje –, de maneira equivocada ou não, esteve presente como parte integrante do processo de construção da masculinidade de gerações de rapazes, inclusive da sua. “O relato que se tem neste livro é fruto do que eu vi, pesquisei, avaliei e vivi do cotidiano da Guaicurus entre 2011 e 2012, tempo em que estive envolvido no trabalho. Entrevistei dezenas de pessoas, convivi com elas, ouvi histórias, verdadeiras ou não, que foram contatas pelas prostitutas, cafetinas e gerentes dos hotéis, entre outros”, relata.

O resultado da pesquisa, que conduz o leitor a um submundo estranho e ao mesmo tempo fascinante, levou o escritor à conclusão de que, independentemente da liberação sexual, o antigo comércio do corpo continua vivo, com centenas de mulheres de todas as partes do Brasil se oferecendo a preços que variam de R$ 10 a R$ 30.

Igual é o número de homens que, desde o início da manhã, quando as casas abrem, até a meia-noite, quando fecham, passam por ali à procura das prostitutas. Vão de um quarto a outro, examinam, escolhem. A pesquisa levou o jornalista a concluir que a prostituição, sem querer se aprofundar em questões morais, sociais ou religiosas, é um negócio como outro qualquer. “Depois que terminei meu trabalho, passei a ver aquela realidade com os olhos de quem a vive ou está em torno dela”, diz Tarcísio.

Nos cerca de 20 hotéis de prostituição que ainda hoje existem na Guaicurus e região, cada mulher faz em média 15 programas por dia e, dependendo do movimento, pode chegar a 30. As mais bonitas são as mais procuradas. As mulheres pagam diárias que variam de R$ 100 a R$ 120 e algumas, quando terminam o turno, mesmo cansadas, ainda costumam ir para as boates para faturar mais um pouco. Se o dinheiro às vezes entra “fácil”, sai da mesma maneira, pois muitas profissionais, para suportar o tranco, costumam gastar grana na compra de drogas.

Ainda de acordo com o jornalista, as pessoas que hoje vão em busca do prazer no Lírio, Cadete, Pensão Mineira, Onda Livre, Requinte, Castelinho, Brilhante (um dos mais procurados atualmente) e tantas outras casas normalmente são trabalhadores em busca do sexo rápido, viajantes que esperam a hora de embarcar na rodoviária e estudantes, entre outros. Não raramente, também são encontrados homens casados e até religiosos disfarçados.

É um entra e sai de um hotel a outro que não acaba nunca. “Mas o programa é acertado antes, tem as suas regras e normalmente não dura mais de 15 minutos. Além da penetração, praticamente não existe mais nada, a não ser que também seja combinado. De maneira geral, prevalece o sexo tradicional, tipo ‘papai e mamãe’.”

Política


A história da prostituição na Rua Guaicurus é antiga. Já nos anos 1920, a rua, com seus cabarés e dancings como o Éden, o Palace e o Montanhês, era ponto de encontro de intelectuais e políticos. “Perto dali a sociedade belo-horizontina se mostrava e era vista, como nos ambientes culturais da cidade. Naquelas casas já existia a prostituição, mas normalmente ali só se combinavam os programas, que eram feitos depois, em outros lugares”, explica Tarcísio. Com o passar do tempo, veio a decadência.

Ele lembra ainda que no ano passado, abaixo da Pensão Mineira, em duas pequenas saletas, começou a funcionar a Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aspromig), entidade ligada à Rede Brasileira de Prostitutas. “Foi uma forma que encontraram de lutar por seus direitos”, diz Tarcísio.

Bem antes disso, no início dos anos 2000, em consequência da “Grande Guerra da Guaicurus”, que ocorreu na década de 1980, quando a delegada Eliane Matozinhos tentou endurecer as regras por ali e até mesmo fechar os hotéis e acabar com a zona, os proprietários, para não perder seus negócios, acabaram também criando a Associação Amigos da Guaicurus e Adjacências. E tudo continua na mesma, com a boa e velha lei da oferta e da procura.

Sobe e desce na Guaicurus pelas portas de uma zona de prostituição


. De Tarcísio Badaró
. Editora Multifoco, 252 páginas, R$ 45
. Informações: www.editoramultifoco.com.br ou (31) 3261-6045.

MAIS SOBRE PENSAR