Revista Barroco, criada em 1969, chega à 20ª edição e faz homenagem ao fundador

Poeta e ensaísta Affonso Ávila é lembrado na nova edição

por Walter Sebastião 23/11/2013 00:13
Giselle Rocha/EM/D.A Press - 25/11/00
(foto: Giselle Rocha/EM/D.A Press - 25/11/00)
Um poeta movido por inquietações estéticas e encanto pela arte da Minas Gerais do século 18, que se desdobra em pesquisador, militante do patrimônio histórico e teórico de uma síntese entre vanguarda e tradição. E que, para construir tal caminho com poemas e ensaios, propõe uma revisão crítica da cultura, arte e origens da sociedade brasileira. Retrato do escritor Affonso Ávila (1928-2012), feito pela historiadora Cristina Ávila, filha e colaboradora do escritor. O poeta é o homenageado do número 20 da revista Barroco.

Affonso Ávila foi precursor dos estudos de literatura comparada e de análise das mentalidades, modalidade historiográfica que valoriza modos de pensar e sentir dos indivíduos de uma época. Aspectos, observa Cristina Ávila, ainda hoje inovadores. “Para ele o barroco foi uma origem do país então nascente, não um adendo ou cópia malfeita da cultura portuguesa”, exemplifica. A transposição da cultura portuguesa para realidade que gera contato com outras culturas possibilitaria criação de barroco original, como é o de Minas Gerais, com diferenças significativas das fontes europeias de tal estética.

“O Brasil, para Affonso Ávila, era uma nova possibilidade cultural e civilizatória. Visão que carrega herança do modernismo e produto de reflexão crítica sobre o país”, explica Cristina. A visão estética e histórica do escritor influenciou tantos jovens pesquisadores e perspectivas inovadoras quanto artistas. Com relação aos últimos, não só os da geração do escritor, como de criadores que começaram a fazer arte a partir da metade dos anos 1970 e nos anos 1980.

Como pai, recorda Cristina, Affonso Ávila foi homem de exemplos. “Nunca disse: ‘Leia isso’, mas sempre demonstrou grande amor pelos livros. A nossa casa sempre teve atmosfera impregnada pela presença de livros, de história, de projetos culturais”, conta. Ambiente marcante que fez com que todos os cinco filhos do escritor já tenham publicado livros. Um momento feliz para o pai foi receber, em 2011, o título de Cidadão Honorário de Ouro Preto. “Era um sonho dele”, revela. Também ficou satisfeito, em 2012, em ter o conjunto da obra reconhecido com o Prêmio Minas Gerais de Literatura.

“Foi homem generoso, introspectivo, tímido, o que passava uma certa secura de personalidade. Que se sensibilizava com os problemas do mundo, mas que também tinha humor, visão esperançosa”, define a filha. E, neste sentido, pode-se dizer que era quase barroco. Foi um ser político, combativo, com capacidade de liderança, o que demonstra bem cedo criando jornais e revistas para interferir na vida da cidade e no contexto cultural. A revista Barroco, criada em 1969, tinha como objetivo ser publicação interdisciplinar voltada para estudos do barroco como gênese da cultura brasileira. “Os 20 números, publicados com muita dificuldade, são uma síntese dos estudos do barroco, valorizando aspectos inovadores e independência intelectual, não só no Brasil como no mundo, já que todos os números trazem colaborações de estudiosos estrangeiros”, avalia Cristina Ávila.

Ciclo Conforme conta Cristina, atual diretora da publicação, Affonso Ávila morreu organizando o número que agora é lançado, em dia em que estava prevista reunião para conseguir patrocínio. O número 20 fecha um ciclo na história da revista. Cristina não fala em fim da publicação, mas em transformação, que mantém perfil científico, sem se deter em um assunto e aberta para as artes contemporâneas.

A vigésima edição da Barroco traz, entre as homenagens ao poeta, depoimentos de amigos e críticos literários, além de dois textos da lavra de Affonso Ávila. O artigo “Um passeio ensaístico: a parábola do Cristo” abre a publicação, que traz ainda o fac-símile do original de “Eu, de Ávila a hoje”, um passeio pela genealogia e formação do poeta e intelectual, escrito quando Ávila completava 40 anos. Ao fim do artigo, o poeta sentencia, com bom humor: “Como se vê, os Ávila são gente antiquíssima – e complicadíssima”.

Entre os ensaios que fazem parte do número 20 da Barroco estão “Sermões mineiros e o ilusionismo barroco – Temas recorrentes”, de Cristina Ávila; “As almas santas na arte colonial mineira e o purgatório de Dante”, de Adalgisa Arantes Campos; e “A poesia do barroco”, de Haroldo de Campos. A nova edição traz ainda um útil índice onomástico dos colaboradores de toda a coleção da publicação.

Acervo A biblioteca de Affonso Ávila, por testamento, vai para dois endereços. Os livros raros, a Mineiriana e volumes sobre o barroco ficam com a Fundação Rodrigo Mello Franco, de Tiradentes. A parte literária, inclusive todas as primeiras edições dos livros de Affonso e de sua mulher, Laís Corrêa de Araújo, além de quatro arquivos e mobiliário, vão para o Centro de Escritores Mineiros da UFMG.

Está prevista para o ano que vem a publicação de um volume com a correspondência entre Affonso Ávila e Haroldo de Campos. E ainda de O amado e a coisa amada, reunião de textos sobre patrimônio histórico e artístico, além de volume com poemas inéditos.


Revista Barroco, nº 20
• Organização Cristina Ávila
• Centro de Pesquisa do Barroco Mineiro
• 412 páginas


Vida e obra

Affonso Celso Ávila (1928 -2012) foi poeta, ensaísta e pesquisador. Com Fábio Lucas, Rui Mourão, Laís Corrêa de Araújo, Cyro Siqueira e outros jovens intelectuais, fundou em 1951 a revista Vocação. Em 1957 criou outra publicação, Tendência. O interesse pela poesia experimental levou ao diálogo com Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos. Em 1963, organizou a Semana Nacional de Poesia de Vanguarda em Belo Horizonte. Em 1969, Ávila criou a revista Barroco, que ganhou dimensão internacional e atraiu especialistas brasileiros e estrangeiros. Affonso Ávila publicou 21 livros, entre estudos teóricos, coletâneas de ensaios e poemas. Destacam-se Código de Minas e Cantaria barroca (poemas) e O lúdico e as projeções do mundo barroco e Resíduos seiscentistas em Minas (ensaios).

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